António Mesquita
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“Há um muito belo texto de Platão, num diálogo com Sócrates, em que Sócrates diz: é curioso o que se passa, há assuntos sobre os quais ninguém ousa falar, a menos que seja competente. Por exemplo, sobre o fabrico do calçado, ou sobre a metalurgia. E depois há uma quantidade de assuntos sobre os quais toda a gente se crê capaz de ter uma opinião. (…) De tal maneira que a filosofia é a matéria em que toda a gente tem uma opinião. Saber se Deus existe? Disso, pode-se sempre falar no momento do queijo. Saber se Deus existe. Cada um tem uma opinião sobre uma questão como essa, cada um tem o seu esquema para dizer. Em contrapartida sobre o fabrico de sapatos?”
“Les Cours de Gilles Deleuze”
Nem o Rei-Sol se atrevia a decidir uma questão técnica. Tinha que confiar na opinião do seu arquitecto ou do seu marceneiro. E sabemos de como era crédulo em relação ao seu médico, apesar da arte deste se prestar tanto à discussão.
Platão escarnece, evidentemente, da facilidade da filosofia popular, sem recorrer ao “momento do queijo”.
Embora quase ninguém se reconheça filósofo, todos, duma maneira ou doutra, amam o saber que julgam ter, o que não é muito diferente, no fundo, da filosofia.
Se pusermos o calçado e os outros problemas práticos de lado, há todo o imenso continente do que não se sabe ao certo que, nalguns casos, não deixa de ser urgente, como, por exemplo, conhecer o semelhante com quem temos uma disputa ou com quem temos de fazer um contrato.
Em vez disso, Platão acena-nos com a “verdadeira” filosofia. Só que não podemos tomar a consistência das ideias pela marca da verdade.
Platão, o menos sistemático dos filósofos, nem por isso deixa de apelar ao nosso sentimento estético e à nossa crença ( a crença no ideal, antes de tudo ).
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