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04/11/16

OS POSSESSOS



António Mesquita
(Ernst Hanfstaengl à direita) 


"Para ele (Hitler), falar era um modo de satisfazer um desejo violento e esgotante. De repente, o fenómeno da sua eloquência tornou-se-me compreensível. Os oito ou dez minutos finais de um discurso assemelhavam-se a um orgasmo de palavras."

(Ernst Hanfstaengl, chefe do serviço de imprensa do partido)


Nada disto é novo. Freud abriu a porta das interpretações auto-referentes. O mundo perdeu a impenetrabilidade da natureza que reclamava os seus próprios deuses, e a palavra separou-se da sua origem mágica para se adaptar à perfeição do discurso científico.

A ideia que o chefe de imprensa nazi viu no seu führer entusiasmado (à letra, possuído pelo deus) não era totalmente 'alienada'. Hanfstaengl era um homem do seu tempo e, aqui, permite-se uma espécie de juízo crítico, senão blasfemo, sobre o líder, ao 'denunciar' a natureza sexual do fascínio que exercia nos comícios. Há então uma destruição de valor simbólico, na área religiosa, como a visada por alguns que contestam a 'pureza' (aqui a ausência de um interesse ou de um prazer próprios) na vida dos santos.

Por outro lado, Hitler é visto não como um homem inteiramente responsável pelos seus actos, em razão da dita possessão, e antes como uma energia auto-destruidora. Como um 'medium', no momento supremo, engasgado pela serpente da metamorfose.

Se se pode falar em fascínio é precisamente por que por detrás da violência das palavras e dos gestos, a multidão pressente que o 'possuído' se encontra num altar onde ele e a Alemanha romântica vão ser, de facto, sacrificados.

Pode compreender-se este fenómeno unicamente com as categorias da política?

Esta 'história alemã' vive uma quase-repetição nas eleições americanas. Mas, aí, o demagogo não está possuído, razão por que o elemento trágico está completamente afastado. É, sem dúvida, uma ideia da democracia e da história do país que já foram sacrificados por um apoio massivo. Mas tudo se passa, como disse Marx, sob o modo da farsa.

O que, apesar de tudo, nos dá alguma esperança...



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