Feitoria da Mina, 21/01/1516
Amadíssima, Flor de Canela,
Estou agora mergulhado neste mundo do ouro e das especiarias, dos tecidos nobres, dos trigos que nos alimentam. Chegam, embarcam, riquezas passando pela minha mão, sem que me desperte atenção ou desejo. Trato de tudo como se os meus gestos caminhassem conhecendo a estrada, enquanto o meu pensamento voa, para esse último dos nossos encontros no recanto do porto. Reavivo os arquivos da memória e sinto a leveza da tua face a abraçar a minha. Recordo o teu casaco, sobre a camisa ligeiramente aberta para que o fio bordado a ouro apareça pousado sobre o teu peito, como uma estrela cintilante. Imobilizado, retenho o olhar na procura do teu, e encontro-o nesse fulgor da descoberta do mundo, que é essa tua forma de observar e que derrete todas as minhas defesas. Quão longe aparece agora esse momento que acreditei eterno.
O cavalo branco que leva o mensageiro desta carta continua a correr a distância entre mim e ti, entre o meu lugar e o teu e ao longo das noites, das manhãs e dos dias, a meditação do meu olhar só se detém em ti, percorre as estradas do deserto na tentativa de alcançar o mar de azul onde navega a tua beleza feiticeira.
Sou um prisioneiro esquecido nas coordenadas do sonho. Vivo no mundo da fantasia, de florestas infindáveis, de duendes que sobrevoam as muralhas ao amanhecer, mas já não distingo o real do imaginário. Na dolência nostálgica dos trópicos, embalo esta ideia de embarcar no teu destino, quero descobrir as marés vivas que nascem das ondas claras dos teus olhos amendoados.
Nas ondas do tempo, sinto esse grito das gaivotas procurando alimento. No meu olhar encontro o galeão dos meus anseios acostando ao cais das descobertas, onde estarás nessa espera infinita. Vejo-te nessa elegância da formosura eterna e por mim passa então a ansiedade de despir-te o corpo do passado e cobrir-te de beijos inquietos o do futuro.
Nunca desistas de me esperar.
No selo da carta, vai um beijo para ti, longo e terno para que fique nos teus lábios como a luz de uma estrela distante.
Do sempre teu
Pero Anes
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