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01/01/16

UM NOVO “CAVALO DE TRÓIA”?


Mário Martins
http://www.gettyimages.pt/detail/fotografia-de-not%C3%ADcias/greek-raiding-party-secreting-themselves-in-the-fotografia-de-not%C3%ADcias/113441532

1. Mais uma vez na história humana, o que pode aparentar apenas ser uma guerra religiosa entre o Islão e o Cristianismo, encobre o choque entre concepções e práticas políticas opostas de organização das sociedades. Não que as duas grandes religiões monoteístas, com os seus vários ramos, não sejam, naturalmente, concorrenciais, uma vez que disputam o mesmo Deus, reivindicando-O, cada uma delas, para si. Mas o problema não está na competição estritamente religiosa mas na dimensão política dessa competição. O advento do estado laico, quer dizer, do princípio da separação entre Religião e Estado, é um adquirido das sociedades europeias de matriz cristã: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. 

2. É por isso que a tensão que hoje se vive nas nossas sociedades, está para além do terror que grupos radicais islâmicos procuram espalhar. Por várias razões, (como os processos de descolonização, a emigração, a natalidade, a guerra), tem vindo, incessantemente, a aumentar e tende a agravar-se o peso numérico das pessoas de confissão islâmica nas nossas sociedades, facto que, se de um ponto de vista estritamente religioso nada tem de negativo e se deve respeitar, de um ponto de vista político gera as maiores desconfianças. A questão central que se coloca é a de saber se no dia em que, eventualmente, o número de cidadãos adeptos do Islão fosse maioritário, o estado laico e a liberdade religiosa, a par da liberdade política e da igualdade de género, seriam respeitados e defendidos. Infelizmente, a experiência dos nossos dias (basta citar os casos dos estados islâmicos da Arábia Saudita e do Irão e da crescente islamização do estado turco) indica o contrário.

3. O consenso que une as nossas sociedades europeias contemporâneas, pese a tradição cristã, não é de ordem religiosa mas política. Assenta na laicidade do estado, no princípio da separação de poderes, na liberdade religiosa (cada pessoa segue a sua confissão, no seu íntimo e nos seus templos, ou não segue nenhuma), no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (independentemente do género, da condição social e das preferências políticas e religiosas), na liberdade política, na delegação temporária do poder político nos representantes eleitos por voto universal. Em suma, já vai longe o tempo em que, nas nossas sociedades, se acreditava ou aceitava que os líderes políticos representam a vontade de Deus.

4. Pesa, assim, uma grande responsabilidade sobre os líderes do Islão. Embora isso seja importante, não basta que condenem os actos terroristas cometidos por grupos fanáticos. É preciso também que, a bem da concórdia e do progresso civilizacional, dêem o passo da separação das esferas religiosa e política. Sem isso, o multiculturalismo desregrado das sociedades europeias arrisca ser uma espécie de versão contemporânea do “cavalo de Tróia”.   


PS: Vejo o preocupante ascenso da extrema-direita francesa como querendo dizer não que os franceses se tenham tornado xenófobos, racistas e intolerantes, mas que sentem o perigo da lassidão, no mínimo ingénua e descuidada, dos partidos tradicionais perante o risco de desagregação das sociedades europeias. 
    

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