Cartagena das Índias, 08/01/1516
Flor de Canela,
Saberás construir no teu pensamento o sentimento que me avassalou a alma ao receber a tua carta. A intensidade da luz que dela irradiou, cobriu o planeta e estendeu-se para além da fronteira universal, impedindo-me de organizar a sinfonia das palavras que tenho para te enviar em louvor da tua existência. Compreende a injustiça deste longo espaço que nos separa, impeditivo do meu olhar viajar à procura do teu.
Não poderias tu atravessar o oceano e desembarcar de uma nau, nesta Cartagena das Índias onde me retêm? Quanto daria para que viajasses nessa aventura de me procurar.
A tua carta chegou-me quando cavalgava em direcção a Calecute, por entre florestas e vinhedos, numa sucessão de cores outonais que me faziam lembrar o teu cabelo caindo sobre o rosto quando nas tardes estivais olhávamos o sol na aventura de dar a volta ao mundo para nos descobrir do outro lado, no outro extremo deste amor que construímos juntos e que das profundezas da Terra trouxe esse magma que me incendiou a alma e engrandeceu esse teu olhar que me imobiliza entre as tuas mãos.
Ao longo dos dias fui gastando as palavras que a tua carta trouxe, de tanto as ler e de as absorver como se te acolhesse entre os meus braços carentes da ternura que vais deixando por onde passas.
Escrevo-te agora. Desenho cada letra como se se viajasse por ti e fosse esboçando cada pormenor teu numa carta geográfica para não me perder quando a solidão oceânica me envolve num anel de tristeza e só a lembrança do teu sorriso, me faz segurar o leme e não me perder nos confins infinitos da melancolia.
Escrevo-te neste dia tão especial, em que a lua se enche de cores e o sol desvairado de alegria, expele os seus ventos numa melodia galaxial. A grandeza do ínfimo e a beleza do avassalador, tudo em ti é harmonia, tudo em ti, é amor.
Nunca desistas de me esperar.
Despeço-me. Fecho a carta e selo-a com um beijo,
do sempre teu
Pero Vaz de Caminha
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