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01/06/15

CARTA DE VIAGEM AO TEU PAÍS







Quando cheguei à fronteira do teu país, acolheram-me com palavras que continham o sabor aromático das especiarias mais desejadas e com que deliciamos as melhores ementas. A carta que levava como orientação logo se revelou inútil. Não que estivesse desactualizada, mas compreendi que o território onde habitas tem lugares que não constam de nenhum mapa, apenas existem nos olhares daqueles que sabem amar. Mais do que um roteiro, necessitava de perceber os sinais que me podiam levar a um património coberto com manto de seda que esvoaça com essa brisa que nas tardes calmas acolhe os nossos cansaços tardios. Desisti de um itinerário, da escolha de um destino. Preferi seguir no prazer dessa onda com que nos atraem os recantos imperceptíveis dos lugares, a melodia dos espaços onde habita, quantas vezes, refugiada a ternura. Segui para norte, onde as pequenas montanhas do rosto desenhavam um sorriso aberto, amplo, apelativo, como se incendiassem as manhãs em que o sol, preguiçoso se ergue no horizonte transportando energia duplicada. Como foi difícil passar por aquelas elevações com linhas de rosto, por aquele sorriso! Prossegui nessa ânsia de tudo conhecer, como se fosse possível à observação deixar algo por contemplar, tanta a beleza que surgia a cada curva daquela estrada, como se fosse impossível, voltar de novo a olhar, para reinventar o já conhecido. Os lugares descobrem-se continuadamente, a cada nova observação, para que nunca se esgote o que nos seduziu. A descoberta do teu país deve ser como a dos espaços amados, um caminho sem fim e sem destino, em que a cada jornada, saibamos encontrar o que, já visto, proporcione novos prazeres. Com a alma aberta, acampei na imensa baía do olhar do teu país. Na serenidade dos dias encontrei o descanso que procurava. Havia mar, azul, cristalino, navios de sonhos voando nesse oceano que transbordava de pureza, e um rio, desaguando em delta, como uma mão estendendo os dedos para as águas que o recebiam. Os pássaros chegavam pela tarde e espalhavam-se pela marginal entre o sorriso e o olhar. Rumei então às planícies quentes que se abriam no território a sul desse teu país. Ondulantes, silenciosas, sedentas da água que sobrava a norte e ficava retida nas florestas quase virgens onde me perdi em noites sem luz, guiado apenas pelo luar crescente que me protegia e guardava dos medos nocturnos e das aves malignas que nidificavam nas muralhas sombrias de castelos há muito derrubados. O meu olhar perdeu-se então entre as montanhas e os bosques centrais e só o apitar agudo de um comboio que já não passava me acordou desse estremecer feliz que encontramos nos país que atravessamos aos quais só conhecíamos ao longe, em imagens que a imaginação engrandecera. Há países assim, que nos entontecem a alma só pela contemplação distante da sua geografia e da sua beleza e quando um dia por eles viajámos, compreendemos que a idealização aparece superada pela realidade observada. Entre silêncios eremitas e rios solitários, cheguei por fim ao sul extremo do território do teu país, onde se juntam as estradas e caminhos e ao ver o espaço percorrido, os lugares visitados, tive esse pressentimento viajante, do recomeçar de novo, na descoberta do muito que ficou por ver e das delícias ainda por encontrar. Agora já tenho um mapa do teu país, preenchido de olhares e de sonhos ansiados, e os meus dedos suavemente percorrem as estradas do seu corpo e em cada lugar de observação, admiro de novo o que já vi e procuro em cada recanto, o que ainda não encontrara, para que as mãos sintam e os olhos não esqueçam. A nave que me leva corre agora estremecidamente pela longa pista do aeroporto e sinto a potência das turbinas a romper a gravidade terrena. Vou sobre a asa, de olhos fechados, a voar sobre o teu país.


Afonso Anes Penedo.

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