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01/03/14

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CARTAS DE LONGE (2)

Alcino Silva

Estância Puerto Consuelo, Puerto Natales, Província Última Esperança, 27 de Fevereiro de 2014

à redação da Periscópio


de novo vos escrevo com estas longínquas palavras acalentando a ideia que vencerão a barreira da distância e possam juntar-se às vossas para essa composição mensal que são as nossas reflexões expostas à leitura daqueles que também procuram, como sempre procuramos, alimentar os sonhos. As temperaturas vão amenas, mas nota-se já um pouco do vento que chega do cerro Balmaceda com os seus 2 mil metros de neve, e nesta noite em que alinho estas letras em inconsequentes frases, as temperaturas baixaram até ao nível 0. Hoje caminho ao longo do fiorde por paisagens que deslumbram e em certos momentos deixam-nos nessa incapacidade de respirar face à beleza da natureza que nos rodeia e imobiliza o olhar. O tempo vai passando. Em certos dias desliza como estas pedras sólidas de gelo quando se aproximam da liquefação, noutros, tudo parece mais lento, como se o movimento se detivesse e a nostalgia do que deixamos, assume a importância do inesquecível. Não são apenas os lugares e os hábitos, essa rotina de olhar o mar, deixar que os pensamentos se percam na linha do horizonte, são sobretudo as pessoas, de forma muito saliente, aquelas de quem gostamos, como essa rainha egípcia por quem a minha vida se perdeu e parece já não atravessar os jardins de Luxor, apesar da minha memória a fazer cruzar a todo o momento os caminhos que me levam. Tantos anos nos separam, mas como sentimos a perda dessa princesa tão extraordinária que a história conhece como «a bela que chega».Mas hoje ocorre-me pensar que esta é a época em que a pequena cidade a norte se embeleza como a capital da literatura e durante três dias, as palavras ocupam-lhe as ruas, enchem o litoral de sabores poéticos e pelas suas avenidas corre a rebeldia do sonho. Por ali ficava, bebendo a voz daqueles que com uma pena reescrevem a humanidade, nos seus romances, nas suas histórias, nas suas vidas, nuns casos com esse encanto que só a magia da utopia faz nascer, e noutros com a dureza da realidade mostrando que a marcha da história contém imensos frutos amargos e até o professor que fez carreira política no fascismo, inebriado pela nobreza das frases que voavam soltas pelas salas, dirá que «o poder das palavras pode desafiar as palavras do poder» e sente-se que podem, quando como um canto, como essa marcha dos Homens pelas areias do deserto procurando oásis, fazem estremecer o poder e os poderes, os quais para sobreviver, também eles recorrem à palavra, mas àquele verbo falso da ilusão e às frases da infâmia, que não cabiam, não podiam entrar naquela sala onde só airreverência romântica tinha mar para navegar. Como nos emocionávamos quando se desfraldavam as velas amplas dos navios naqueles dias, como ancoravam as quimeras em baías aconchegadas em mundos novos, satisfazendo a ânsia em que buscamos novos mundos e até o mar se aquietava na sua revolta invernal e as suas poderosas ondas alcançavam terra em silenciosos murmúrios, para que também a massa oceânica pudesse escutar as palavras que transportadas pelo vento alcançavam a alma dos Homens. Eram dias de fantasia que me permitiam embarcar num tapete voador, planar sobre a vida e sentir esse amor que os humanos conseguem aquecer quando no sangue lhes corre as chamas incendiadas do porvir. No fim, quando tudo terminava e a festa conhecia esse instante do silêncio, sentia de novo a solidão e a nostalgia que agora me visitam nestas terras de exílio, onde os meus olhos recordam e a alma se enche dessas lágrimas que não choramos como escreveu Neruda. Em breve a tarde no seu fim se vai aproximar de mim e farei as despedidas de mais um dia, deixando que o olhar parta por aí, por esses prados, essas encostas, essas pedras escondidas por verdes folhagens, deixando abraços de agradecimento pela sua existência me permitir alcançar esse estado vivencial onde se cruza a fantasia e a verdade, os meus delírios podem ainda palmilhar as pedras duras dos caminhos que conduzem aos lugares onde a rebeldia se refugiou da ignomínia dos sátrapas, esses dejectos humanos que ocuparam o poder. Um abraço sempre saudoso para todos vós.

 

COMEMORAÇÃO

Manuel Joaquim

 

No próximo dia 15 de Março faz anos que foi publicado o Decreto-Lei nº 135-A/75 que nacionalizou o capital nacional das companhias de seguros que na época operavam em Portugal.

Vale a pena recordar o preâmbulo do referido decreto-lei com os considerandos que justificavam a nacionalização, bem como o seu artigo 1º:

Considerando o elevado volume de poupança privada retido pelas sociedades de seguros e que tem sido aplicado não em benefício das classes trabalhadoras mas com fins especulativos e em manifesto proveito dos grandes grupos económicos.

Considerando a proliferação de sociedades de seguros constituídas, que têm conduzido a uma concorrência desleal com perigo até para a própria solvabilidade dessas empresas.

Considerando a necessidade de proporcionar maior segurança aos capitais confiados às sociedades de seguros através dos prémios arrecadados, garantindo, assim, o integral pagamento dos capitais seguros.

Considerando que as elevadas somas em poder das sociedades de seguros devem ser aplicadas em investimentos com interesse nacional e, portanto, em benefício das camadas da população mais desfavorecidas, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas.

Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores de seguros na apreciação de situações irregulares no domínio da gestão que ocorreram em algumas companhias de seguros e que já haviam imposto até a intervenção do Estado.

Considerando, ainda, que interessa deixar inalteradas as relações com companhias de seguros estrangeiras que detêm participações significativas no capital de companhias de seguros nacionais.

Considerando finalmente a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos segurados:

….

Artigo 1º

São nacionalizadas todas as companhias de seguros com sede no continente e ilhas adjacentes, com excepção:

a) das Companhias de Seguros Europeia, Metrópole, Portugal, Portugal Previdente, A Social, Sociedade Portuguesa de Seguros e o Trabalho, dada a significativa participação de companhias de seguros estrangeiras no seu capital;

b) das agências das companhias de seguros estrangeiras autorizadas para o exercício da actividade de seguros em Portugal;

c)das mútuas de seguros. 

O sector de seguros à data das nacionalizações era dominado pelos grandes grupos económicos: CUF, Espírito Santo, Champalimaud, Pinto de Magalhães, Jorge de Brito, Fonsecas & Burnay, Banco Nacional Ultramarino, Banco Português do Atlântico e Banco Borges & Irmão.

Em 1973, cinco companhias, controlavam 45% do mercado mas 50% em termos de mercado das seguradoras de capital nacional.

Com medidas legislativas, designadamente com a obrigatoriedade de reforço dos capitais sociais das empresas, estava-se numa fase de concentrações. Os resultados das seguradoras eram obtidos da especulação financeira e pela contabilidade criativa e não da exploração do próprio negócio.

Os Sindicatos de Seguros, em representação de todos os trabalhadores de seguros dopaís, conhecendo muito bem o que se passava no interior das empresas, preocupados com essa realidade, que punha em causa a manutenção de muitos postos de trabalho e a sobrevivência de muitas famílias, defenderam em Relatório Sindical para o Plano Económico de Emergência “a intervenção imediata do Estado na Indústria Seguradora e a atribuição aos trabalhadores de verdadeiros direitos de fiscalização e controlo” e aprovaram em Assembleias Gerais realizadas em Janeiro de 1975 a reivindicação da nacionalização das Companhias de Seguros.

Com a nacionalização algumas seguradoras foram salvas da falência, garantindo, assim, a manutenção de muitos postos de trabalho.

O processo de recuperação capitalista iniciado em 1976, não permitiu cumprir os objetivos propostos no decreto-lei da nacionalização.

Com o processo de privatizações iniciado em 1989, depois de sucessivos governos mancomunados com o grande capital nacional e multinacional, criarem as condições legislativas para o efeito, o sector de seguros, inserido no sistema financeiro, fundamental para o controlo e domínio de todo o sistema económico no processo de restauração capitalista e monopolista, foi dos primeiros a sofrer a privatização, tal como tinha sido dos primeiros a ser nacionalizado para ser instrumento para o desenvolvimento económico e social do país, propostos com a nacionalização.

Actualmente o sector de seguros está praticamente desnacionalizado, pois é dominado pelo capital estrangeiro com tendência para acentuar-se. A sua situação económica tem características muito semelhantes às que existiam antes do 25 de Abril: os resultados são obtidos através da especulação financeira, agora alimentada pelos rendimentos e mais-valias da dívida pública. A exploração técnica é preocupante pelos reflexos directos da crise em que o país vive.

O sector de seguros, neste quadro, não poderá ser um instrumento ao serviço do desenvolvimento económico que sirva os interesses do país e dos portugueses.

Por isso, os considerandos do Decreto-Lei da nacionalização têm toda a pertinência.

 

 

FELIZ COMO NUNCA, REACCIONÁRIO COMO SEMPRE!

Mário Faria

 

 

A chuva parou e resolvi aproveitar a folga. As nuvens corriam altas e não davam descanso à bonança que timidamente se tinha instalado. Por isso, resolvi dar um passeio pelas redondezas e voltar aos cenários antigos. Uma boa parte do pequeno comércio já não mora naquelas bandas e os edifícios degradados morrerão de pé, de forma resignada e sem futuro. A população é prioritariamente constituída por idosos que transitam em passeios estreitos, inundados de excrementos de cão; andam para cá e para lá, sem rumo certo, a cumprir da melhor maneira que sabem e podem o exercício da sobrevivência. Dei com o Zé que fechou a sua tendinha de venda de fruta e passou à reforma. Pusemos a conversa em dia: a família, a política e o nosso FCP foram temas que discutimos animadamente e que o meu amigo rematou como sempre: “isto cada vez está pior”. Depois desta sentença, seguiu-se um momento de constrangimento que estranhei porque o Zé tinha um vasto reportório de episódios sobre a vizinhança, sempre muito apetitosas. Num tom de malícia e mal dizerdevassava a vidinha daquela gente e tinha um vasto reportório de histórias de faca e alguidar que presenciava, pois a sua loja vivia paredes meias com a pensão Lua-de-Mel, muito frequentada por gente cosmopolita, divertida, com dinheiro e, a sua maioria, clientes habituais do “Lord Jim”, famoso bar do sítio, muito liberal e com miúdas distintas que garantiam um serviço requintado. De repente, o Zé mudou de registo e, com um semblante triste desenhado no momento, resolveu abrir o seu catálogo de doenças. O homem que no passado recente parecia ter uma saúde de ferro e uma enorme vivacidade, está cheio de ferrugem, desgastado por mil maleitas. O Zé não dava tréguas e contava tudo com uma minúcia, rendido ao seu pesar. Dei uma desculpa para zarpar, pois este tipo de conversa é contagioso O Zé não me deixou. Exigiu que ouvisse a última odisseia vivida no Centro de Saúde. Felizmente, começou a chuviscar: desculpei-me com a constipação que me afligia, despedi-me, dei-lhe um abraço, desejei-lhe as melhoras e desertei para o café. Maldade minha: sabia que não me acompanharia porque estava de relações cortadas com o Luís que me atendeu atenciosamente, como sempre. O homem estava delirante com a campanha do SLB e com as virtudes do melhor primeiro-ministro depois de Abril; “obrigou-me” a assistir ao congresso do PSD porque a TV estava virada para lá. Vi os novos e os velhos do PPD num casamento de conveniência: estavam bem-dispostos e riam-se muito. Santana, Mendes e Marcelo disputavam o lugar mais próximo do chefe do governo, como os miúdos fazem quando encontram os seus ídolos para as fotografias da praxe. Nãogosto daquela gente e ao ver aquelas imagens da família popular democrática, lembrei-me do filme o Padrinho. Maldade minha, esclareço sem remorsos. Mas devo confessar que aquela ridícula dança para acomodar três traseiros em duas cadeiras eque aqueles senadores cumpriram obesos de prazer, pôs-me doente. Tinha de fugir: o Luís, ao meu lado, sorria alarvemente feliz como nunca e reacionário como sempre. Não sei para onde vou, mas sei que não quero ir por aí, nem com tais companhias. A chuva parou, despedi-me e saí. Não penso voltar.

 

 

DA JUSTIÇA

Mário Martins

Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça

 

Há uma dissimetria demasiado intensa entre a realidade e a percepção que a comunicação social tem da Justiça”

Henriques Gaspar, Presidente do STJ, Jornal Expresso, 25Jan2014

 

O escândalo que me provocaram as citações na comunicação social do discurso do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na cerimónia de abertura do ano judicial de 2014, de que “não há crise na justiça” e que “os tribunais respondem com eficiência”, - nada, aliás, de que o autor não estivesse à espera: “embora para as percepções instaladas constitua heresia que me conduzirá direito ao pelourinho da opinião”… -, conduziu-me, mais a frio, a ler o discurso, não só para conferir a veracidade dos títulos como também verificar se o contexto os autorizava.

Em abono da sua tese, defende o Presidente do STJ que “no quinquénio de 2008 a 2012 a evolução da situação processual foi consistente e positiva”; que “em geral, as taxas de resolução têm sido positivas e as taxas de congestão diminuíram sensivelmente”; que “os tempos de resolução também apresentam alguma evolução positiva na maior parte das espécies processuais”; que, quer o Supremo Tribunal de Justiça quer os Tribunais da Relação, “têm prestações de elevado nível, na qualidade e nos tempos de decisão”.

O Presidente do STJ reconhece, todavia, “algumas dificuldades” ao nível dos Tribunais de Primeira Instância, que “estão identificadas”: “pela dimensão esmagadora dos números (…) está a acção executiva”, que “representa mais de 70% de todo o contencioso pendente nos tribunais”; a “desproporção na utilização dos recursos processuais executivos por parte dos grandes utilizadores, que torna qualquer sistema ingerível. Bastará salientar, por exemplo, que (…) só as dívidas a empresas de telecomunicações – estando em causa centenas de milhar de pequenas quantias – ascendiam a mil e trezentos milhões de euros, ou seja 0,8% do PIB”; além disso, “a crise acrescentou factores de complexidade que se projectam exponencialmente nos tribunais de comércio”. Mas não sem rematar que “as dificuldades – reais – são comuns a todos os sistemas de justiça, e não apenas no espaço europeu; e (que) a justiça tem sofrido ao longo dos anos mais recentes um «excesso de diagnóstico»”.

Em suma, parece-me lícito concluir que, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, se há uma crise na justiça, ela não é especificamente portuguesa.

Como compaginar esta avaliação com o modo como, por exemplo, Nuno Garoupa resume o estado da justiça portuguesa, em ensaio editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos: “corporativismo nas magistraturas; falta de planeamento, avaliação e realismo legislativo; divórcio entre os tribunais e a sociedade; congestão com mais de um milhão de processos pendentes.”; ou com os dados estatísticos segundo os quais “temos o dobro dos tribunais da Suécia por 100 mil habitantes, mas demoramos mais 233 dias a resolver os processos. E que a Espanha tem também metade dos tribunais e demora menos 134 dias a fechar os casos” (conforme editorial do Jornal Público, de 27 de Janeiro passado); eis o problema.

A percepção de um cidadão comum é que a justiça portuguesa deixa muito a desejar, seja ao nível legislativo, com uma grande profusão de leis, tantas vezes com redacção confusa, escapatórias de conveniência, ou expedientes dilatórios, seja ao nível executivo, em que cada governo quer fazer a sua reforma sem cuidar dos devidos consensos, do horizonte temporal necessário e de uma adequada distribuição dos meios, seja ao nível da investigação e acusação públicas, em que os crimes que não envolvam violência tendem a ficar cada vez mais impunes, ou em que os crimes de “colarinho branco” muitas vezes se ficam por uma condenação mediática, seja ao nível judicial, em que os tribunais dispõem das pessoas como lhes apetece, ou em que a demora das decisões prejudica a eventual qualidade das mesmas.

Terminava assim o editorial do Jornal Público: “Até hoje, não fomos capazes de iniciar uma reforma de fundo e levá-la até ao fim. Medidas avulsas seguem-se a medidas avulsas. A sessão solene de abertura do Ano Judicial 2014 é esta quarta-feira no belo Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça. Irá alguém dizer o que é preciso?”

A posição do Presidente do STJ indica que vai ter que repetir a pergunta no ano que vem.

 

O PAÍS SEM ROTAÇÕES

António Mesquita

 

"O sistema assentava na 'distribuição equitativa dos favores constitucionais' pelo rei. Que a 'distribuição' funcionou, pode deduzir-se do facto de, entre 1860 e 1890, só 3 das 17 eleições terem sido organizadas por governos no poder havia mais de um ano, e só um Governo ter podido presidir a duas eleições seguidas. As eleições foram, em geral, referendos a governos novos. Mas segundo D. Pedro V, sem a intervenção do rei teria sido 'uma ditadura permanente', porque das eleições, ao contrário de Inglaterra, nunca resultaria uma rotação no poder. O rei, em Portugal, era o 'guardião da liberdade'."

"História de Portugal" (coordenada por Rui Ramos)

 

O rotativismo, triunfante na Inglaterra, não podia ser assegurado pelas eleições. O 'povo' caía sempre no mesmo. Estava fundamentada a tese 'anti-democrática' de Salazar. O poder, ou as classes dirigentes, tampouco podiam encenar uma oposição minimamente credível. Só o líder, acima das facções dominantes, estava à altura do 'nobre desígnio' de representar o povo, contra ele mesmo, no imediato, mas com ele num futuro mais ou menos radioso. A 'Revolução Nacional' não tem este nome por acaso, e António Ferro estudou Eisenstein, o genial propagandista e cineasta.

Hoje, finalmente, o sistema do poder alterna entre os dois maiores partidos, mas com a mórbida tendência a voltar ao sistema de um só partido ou de uma só coligação, por causa do fundamentalismo de esquerda, que mais do que doença infantil parece uma doença senil.

Qual será o líder que vai retomar a 'visão' de D. Pedro V, o 'Bem-Amado', e substituir-se a um rotativismo bloqueado?

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