António Mesquita
"Viagem à Lua" (George Méliès) |
Este filme mais do que uma homenagem a um dos pioneiros
do cinema, George Méliès, é-o à memória daquilo que faz uma civilização. E foi
escolhida para isso uma bela história em que um rapazinho procura a chave para
uma mensagem deixada pelo pai desaparecido.
O autómato que Hugo esconde na torre do relógio que passou a ser encargo seu
desde o abandono dum tio bêbedo, estava a ser consertado pelo pai que lhe
queria arrancar o segredo. Ora essa máquina era, ao mesmo tempo, obra do velho
Méliès que a julgava perdida, e o
símbolo do próprio cineasta. O grande sucesso de Méliès foi interrompido pela
1ª. Guerra Mundial e, a partir daí, o seu cinema deixou de ser popular.
Ele foi esquecido, a
obra perdeu-se na sua maior parte e o seu entusiasmo deu lugar à
decepção e ao ressentimento. Considerava-se, como o seu autómato, um boneco
partido.
O facto de se "fazer justiça", pondo o autómato
a desenhar a "Viagem à Lua" e recuperando algumas dezenas dos seus
"sketches", levando à consciência do próprio Méliès o seu lugar na
história do cinema, torna-se "a mensagem" do pai de Hugo.
Mas percebemos que a alegria do criador, em Méliès, pelo
reconhecimento, agora duma minoria culta, não deixa se ser ambígua. Porque os
seus filmes, ingénuos na sua "féerie", são ininteligíveis e chocam o
gosto moderno ( que "os efeitos especiais" e tantas outras coisas adulteraram). E, assim, de certo modo, a
"chave" para o autómato perdeu-se para sempre.
A memória é essencial, mas até certo ponto é
irrecuperável. O futuro "canibaliza" o passado ( ou invade-o como uma
potência colonizadora).
Méliès está em todas as histórias do cinema, mas o seu
público é uma "camada arqueológica" do público de hoje.
Scorcese, que se envolveu tão profundamente na
conservação e no restauro dos filmes mais antigos, viu esta "passagem do
tempo" com os olhos do amor.
Honra lhe seja.
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