Mário Faria
A afirmação da independência do poder político e a defesa do papel do Estado para “corrigir falhas do mercado, arbitrar conflitos e agir em prol da coesão” são insuficientes para distinguir o projecto socialista dos demais. O capitalismo do passado concentrava os trabalhadores e favorecia a consciência de classe. O actual fragmenta. Há formas de representação e organização que caducaram. Pois sim, mas em Portugal os trabalhadores raramente se conseguiram unir na acção. CGTP e UGT quase sempre viveram de costas voltadas, com momentos de grande crispação e ainda hoje convivem sob o signo da desconfiança. Em termos partidários, a situação é bastante mais radical, porque nunca houve qualquer entendimento entre os partidos de esquerda, salvo em situações muito particulares (muito delimitadas no espaço, tempo e abrangência) que quase nada mudaram a rotina de total divórcio entre partidos que deveriam ser capazes de criar algumas pontes de entendimento.
Enquanto a esquerda continua irremediavelmente dividida, a actual geração de economistas, a que se juntaram alguns seniores de outras escolas que agora esconjuram, é claramente neo-liberal e de direita. Já tinha compreendido que havia portugueses com direitos, conquistas e mordomias insustentáveis e nesse grupo reconheço muitos desses virtuosos que defendem que é preciso acabar com os privilégios dos trabalhadores e arrumar, de vez, com o actual Código do Trabalho. Esta saga destruidora de direitos que deveriam ser património da humanidade, está a conduzir o país para uma dinâmica destrutiva e depressiva de irremediáveis consequências. No futuro acordaremos mais pobres, como país e como cidadãos, mais incultos e portanto menos capazes de reagir às exigências do mundo contemporâneo.
“A política cedeu o lugar à economia, e esta, por sua vez, apropriou-se da política. Ao contrário do que se diz, a crise das dívidas soberanas e o ataque ao Euro não resultam dos “mecanismos” do mercado, nem são consequência inevitável de factores económico-financeiros. Usa-se a máscara de uma agenda financeira para impor uma agenda política.
Quem reina agora são os especuladores (“jazemos e possuímos”). As agências de rating são os seus oráculos. Geraram um novo produto transaccionável: o Estado-mercadoria. São milhões de pessoas, Estados inteiros oferecidos em holocausto à gula do capitalismo de casino.
O descarado gáudio de alguns com a entrada do FEEF/FMI não vem somente das grandes negociatas em perspectiva com a liquidação do Estado social. Vem do sabor antecipado de triunfo sobre os próprios mecanismos democráticos. Trata-se de confrontar o eleitorado com o facto consumado das decisões técnicas.
Nunca a ideologia de dominação foi tão sofisticada. Já não lhe basta “assegurar” o sentido do voto. Pretende-se torná-lo obsoleto.” (Mário Vieira de Carvalho)
O que me assusta mais são as coisas não assumidas, as coisas escondidas. A mentira em que nós vivemos. Apesar do progresso científico e tecnológico, a democracia, neste momento, termina onde começa a ditadura financeira. Entendo que quem se endividou deva cumprir os seus compromissos com terceiros, por inteiro. Mais : que se ponha tudo em causa, menos que se mate o doente com a cura. O que não aceito é que o castigo (os juros e a aplicação de políticas cegamente restritivas) seja demasiado cruel, comandado e executado por “torcionários” sem escrúpulos.
A mim, pelo menos, isso aparece-me absolutamente inaceitável. A minha sensibilidade diz-me que o mundo tende para uma nova ordem de cariz autoritária, dominado pelos centros de decisão financeiros, sejam eles quis forem, que se submete aos votos enquanto souber que vai continuar a ditar as regras, porque o capitalismo já não consegue sobreviver com rosto humano. Agora é só máscara ! Estamos f******. A luta tem de continuar.
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