Alcino Silva
Roberto Bolaño |
Recentemente fui entrevistado por uma revista mexicana sobre a minha obra literária. Sobre os meus livros, naturalmente que disse o melhor que podia. Depois da obra chegaram as perguntas sobre a vida e o que penso dela. Como nem uma nem outra das partes foram publicadas, deixo aqui a melhor parte da entrevista.
JI: Feche os olhos. De todas as paisagens que percorreu, qual é a primeira que lhe vem à memória?
EI: O olhar. Atravessávamos as montanhas do Nepal e de súbito surgiu uma recta extensa, com as encostas laterais afastadas. A meio existia um posto de abastecimento e um bar. Paramos e saíram todos. A Elsa, a Célia, a Susana e o Rui. Já não me recordo se a Célia estava, creio que sim. Fui o último e fiquei a usufruir do silêncio que tombava sobre a aridez do planalto. De seguida entrei e foi então que senti aquele olhar. Senti-o antes de o ver. Era uma mistura de mel e amêndoa. Estava parado junto ao balcão e voltado para mim. Não sei quanto tempo me imobilizou. Tinha a pele entre o branco e o moreno, o cabelo comprido, caindo para além dos ombros, uma beleza intemporal, quase perfeita. Lembrei-me de Nefertiti, pois certamente seria uma princesa e ocorreram-me as palavras de Felipe II ao receber Ana de Áustria: “Sede bem-vinda, e ao meu coração também, que a partir de hoje é vosso”. Desde então, sempre que fecho os olhos, encontro aquele olhar.
JI: E tinha nome, o olhar?
EI: Certamente, mas não perguntei. Chamei-lhe Maria que é um nome belíssimo.
JI: Apaixonou-se por vizinhas mais velhas quando era jovem?
EI: Quase todas.
JI: As colegas da escola prestavam-lhe alguma atenção?
EI: Nenhuma.
JI: O que é que deve às mulheres da sua vida?
EI: Tudo, ou quase tudo. Sem elas nada teria feito sentido.
JI: Elas devem-lhe alguma coisa?
EI: Nada, absolutamente nada.
JI: Gosta de cães e gatos?
EI: De cães, pela sua lealdade.
JI: Com que personagens da História gostaria de ser parecido?
EI: Com qualquer um dos anónimos mesteirais que em 1383 fez estremecer a nobreza.
JI: Como é o paraíso?
EI: A caminho de Florença e voltar a encontrar o olhar das montanhas do Nepal.
JI: O mundo tem remédio?
EI: Terá, certamente, enquanto existirem mesteirais a correr nas ruas do mundo.
JI: Quando é que foi mais feliz?
EI: Quando encontrei o olhar da mulher perfeita, sempre que fecho os olhos e o volto a ver e um pouquinho todos os dias.
JI: Confessa que viveu?
EI: Em absoluto. Viver e contemplar a vida é um momento único e se um dia encontrarmos um olhar de mulher, então, é inesquecível.
Ao ler o livro, Roberto Bolaño: últimas entrevistas, Quetzal, 2011, na última entrevista a Mónica Maristain, a certo momento, decidi substituir-me ao entrevistado e deu nisto. As perguntas são verdadeiras, as respostas mentiras por mim inventadas. Quer dizer, algumas são verdadeiras, mas não as identifico para parecerem todas mentiras. Uma palavra ou outra plagiei o Roberto Bolaño, mas tenho a certeza que não se zangará comigo pois foi na melhor das intenções.
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