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01/03/11

SINFONIA DOS SILÊNCIOS

Alcino Silva
Mina das Sombras


A vida semeia desafios que contêm descobertas a fazer, caminhos a percorrer, lugares a encontrar. Naquele dia, partimos à procura e quando abordamos o desconhecido, temos de acreditar, aceitar que um manancial de surpresas se pode desencadear a cada avanço que façamos. Que o desânimo não acompanhe os que ousam ultrapassar os limites das montanhas. Procurávamos sombras e estas são sempre a projecção de nós ou das coisas quando a luz nos alcança apenas de um dos lados e nos desenha em formas distorcidas ou semelhantes, mas sem que deixem de nos reflectir. É a parte mais escura e consoante as circunstâncias pode assumir contornos de beleza ou de tristeza, quase sempre, de nostalgia.

Contudo, o dia nascera luminoso, frio, mas cheio de luz. Talvez frágil, com uma chama leve, mas suficiente para alimentar a vida da paisagem e saciar essa faminta vontade que transbordava do nosso olhar. Cada curva, fazia o esboço de uma nova pergunta sobre o que surgiria para além do que se vislumbra e a procura da solução conduzia-nos à questão seguinte. O verde dos arbustos misturava-se com o das árvores e multiplicavam-se nessas tonalidades que era um acumular de, ora brancos, ora escuros, ora modificando ligeiramente o pastel colorido em que se transformavam. Os riachos transbordavam de água e ganhavam essa pressa que o Outono lhes dá de descer dos cumes em busca de mar e desciam cantando, umas vezes em estrofes apressadas e ritmadas, outras em melodias, serenas e cadenciadas. E a tudo os nossos olhos interrogavam em serena curiosidade, enquanto saltavam dos castanhos para os amarelos ou se agarravam ao cinzento das pedras como quem desce vagarosamente com receio de cair.  
  
Foi assim que a manhã nos levou e quando cansados abraçamos as Sombras e de longe olhamos as grutas que engoliram no seu interior os que procuravam a riqueza que geraria a grandeza maligna de outros, invertemos o sentido do nosso caminhar, como quem faz girar a rosa dos ventos, sem tempo de perceber o jogo das cores que o sol escrevia com os contornos da serrania, nem a dança cromática do arvoredo que crescia na protecção do ribeiro. Após uma viragem fechada, num desses apertos abertos que a montanha proporciona, o sol abriu-se nesse fulgor morno de declinar, de baixar em voo lento até ao mar e com a chegada dessa luz, dessa quentura outonal tardia, com o horizonte extenso propagando-se em cinzas, senti essa sinfonia que me acompanha nos instantes felizes, a sinfonia dos silêncios, como esferas deslizando sem ruído, como estrelas brincando às galáxias nas eternas noites universais. Como um canto com voz de mulher, bailou, como o som distante e triste soprado sobre as encostas montanhosas da tarde. Invadiu-me e isolou-me do tempo, transformou a paisagem nesse mundo onde vive o belo, os rostos que a alma guarda e imagens que o pensamento recorda. E quando o anfiteatro estava composto, as personagens dispostas nessa harmonia que nos conforta, senti o esplendor da flauta, dessa flauta que toca só para mim, que arrebatei sem licença um dia nos campos marinhos do norte e agora povoa-me os sonhos quando o silêncio me arrebata para essa sinfonia que a vida protege escondida na serenidade das tardes que roçam a perfeição. Chegou com esses leves sons apaziguadores, estendeu as asas como um pássaro andino e brincou no azul celestial na beleza dessa música encantatória. Uns dedos mágicos brincavam sobre as teclas do instrumento e a doçura da vida dançava sobre o caminho, e ao longe, a voz feminina voltava a erguer o seu cântico numa mistura de ternura e nostalgia.

Como átomos pulando no interior dos corpos físicos, a sinfonia estendeu os seus ramos pela noite e quando a fadiga intensa governava os nossos movimentos percebi ainda o som lindíssimo da flauta a perder-se em viagem em direcção à brancura imaculada do selenita lunar. 


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