Manuel Joaquim
Bragança |
O Centro Cultural da Câmara Municipal de Bragança, durante o mês de Fevereiro, teve uma exposição de notas e documentos sobre o Banco de Bragança, de Fernando Silva Carvalho, ilustre bancário, economista, professor, investigador e historiador.
Percorreu arquivos da Câmara Municipal de Bragança, do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos/ Banco Nacional Ultramarino, o Arquivo Distrital de Bragança e o Arquivo Distrital do Porto. Consultou os balanços disponíveis do Banco de Bragança, de 1875 a 1919, e muitas publicações e obras de associações e de autores relacionadas com a História Económica da época.
Segundo o autor, Fernando Silva Carvalho, é uma história por contar, o nascimento, a actividade e a morte deste banco. Durou 45 anos, entre 1875 e 1919, período que se insere numa época muito conturbada da história de Portugal.
De facto, desde 1808, ano em que a corte portuguesa de D. João VI fugiu das tropas de Napoleão e se refugiou no Brasil; passando por 1822, ano da independência do Brasil; passando por 1832 e 1834, período em que se deu uma guerra civil, entre liberais (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel), com a igreja a intervir directamente no conflito, (já em 15 de Março de 1829, o Vaticano tinha anunciado a excomunhão de todos os liberais portugueses) que levou à morte de dezenas de milhar de portugueses e à confiscação e destruição de milhares de propriedades e de bens, e que oficialmente terminou com a assinatura do Tratado de ÉvoraMonte; a dependência política, económica e financeira cada vez maior de banqueiros e especuladores internacionais em resultado da independência do Brasil e da guerra; a forte emigração com destino ao Brasil; a crise de 1890 e o Ultimatum; o ano de 1910, com a implantação da República com todas as suas consequências; a primeira guerra mundial, 1914 a 1918, com a participação de Portugal; até 1919, foi uma época muito conturbada da História de Portugal.
Segundo Fernando Silva Carvalho, “Entre os anos 1873 a 1875 assistiu-se a uma expansão descontrolada de estabelecimentos bancários inspirada na hipótese de poderem emitir moeda e no aproveitamento das remessas provenientes da emigração. À euforia e especulação desenfreada destes movimentos monetários seguiu-se a crise de 1876 que culminou no encerramento de algumas instituições regionais. Contudo, o Banco de Bragança conseguiu ultrapassar aquele mau momento fruto da sua localização numa região esquecida e sem concentração de poderes. Bragança, longe da capital, sem grande actividade industrial e com um comércio dependente da vizinha Espanha, alimentou a actividade do Banco até à sua absorção, em Dezembro de 1919, pelo Banco Nacional Ultramarino. Passada a vivência da guerra de 1914-1918 esta instituição interessada que estava na expansão das suas agências incorporou em 1919 o Banco Eborense, o Banco Agrícola Comercial e Industrial de Vila Real, o Banco do Douro e o Banco de Bragança.
A ausência de qualquer fonte de informação a nível regional e até mesmo no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças não permite saber como foi feita a absorção e as consequências que se fizeram sentir ao nível dos depositantes do Banco de Bragança”
Segundo um documento publicado pela Associação Comercial, Industrial e Serviços de Bragança e utilizado por Fernando Silva Carvalho, dá conta de uma notícia de 1908, que refere as dificuldades na concessão de crédito ao pequeno lavrador devido a “uma usura phantastica, exorbitantíssima, asphixiante, que traz sempre epilogo da liquidação trágica do agricultor.”, … “um juro criminoso de 10, 12, 15, 20 e até 30%, …. que representam um juro anual de 27% a 80%.”
Fernando Silva Carvalho, caracterizando o panorama do sistema bancário implantado em Portugal nos anos de 1874 e 1875, não esquecendo a Lei de 22 de Junho de 1867, que permitia a transformação em instituições bancárias de misericórdias, hospitais e irmandades, refere-se à constituição do Banco de Bragança em 1875 por um grupo de comerciantes e empresários de Bragança “com o objectivo de se poder ultrapassar as dificuldades vividas numa região atrofiada e incapaz de enfrentar os problemas regionais”.
“ O Banco de Bragança teve uma existência fora do vulgar para a época. A sua actividade manteve-se durante quarenta e cinco anos (1875-1919), conseguindo sobreviver a alguns percalços próprios da sua actividade e implantação mas também às crises de 1876, 1891 e 1917 que afectaram o sistema financeiro do país. Grande parte dos bancos regionais anteriores e posteriores à euforia de 1875 soçobrou às dificuldades entretanto surgidas em 1876.”
Referindo-se aos efeitos da crise de 1876, Fernando Silva Carvalho diz que “Os sintomas de riqueza anunciados não passaram de uma ilusão face aos acontecimentos surgidos com a crise financeira. Franqueadas as portas do mercado bancário por via da liberdade de criação de instituições, de imediato, proliferam as operações especulativas. Face aos acontecimentos entretanto surgidos, o governo da altura, conjuntamente com o Banco de Portugal, viu-se obrigado a estabelecer medidas de emergência no final do mês de Maio de 1876. Só que a especulação financeira e os investimentos feitos em fundos espanhóis contribuíram para a instabilidade financeira o que obrigou a uma intervenção mais activa do Banco de Portugal por via do Decreto de 18 de Agosto de 1876 onde se indicava que ‘O vencimento e pagamento das letras, notas promissórias, depósitos, títulos comerciais e fiduciários entre particulares, bancos e companhias ou sociedades, é suspenso e prorrogado por sessenta dias, a contar do dia de hoje; e durante o mesmo prazo ficam suspensos os efeitos jurídicos dos protestos, e não corre prescrições dos referidos’.
Estavam criadas as condições para as corridas aos bancos…”
Fernando Silva Carvalho analisa os Balanços publicados e disponíveis de 1876 a 1919. Releva as referências efectuadas ao funcionamento e responsabilidades das sucursais do Porto, Braga e Lisboa, nos resultados do Banco. Em 1884 foi encerrada a sucursal do Porto em virtude do gerente ter cedido créditos a um cliente insolvente que era seu sócio. No período de 1909 -1911 é referido um forte litígio com um ex-director, não se identificando a pessoa nem os valores em causa. Em 1918 é referida que “uma medida de carácter fiscal anunciava o elevadíssimo acréscimo das contribuições a pagar no próximo ano de 1919, especialmente no que se refere à contribuição industrial ‘cujas bases de lançamento raiam o exagero’ o que era classificado como «uma verdadeira injustiça» ou até mesmo uma crueldade.
A decisão anunciada baseava-se no critério específico dos chamados lucros de guerra.”
Em 1919 “ era o fim de um sonho posto em prática em Março de 1875”.
Através de uma exposição tão simples como esta, da criação do Banco de Bragança, é possível aprofundar conhecimentos sobre aquela época, 1875 – 1919, e descobrir a especulação, a agiotagem, a ruína de quem precisa de créditos, os “desvios” e o seu encobrimento, as contabilidades criativas, a sonegação de informação, a nomeação para os órgãos sociais das instituições de pessoas sem formação adequada e o aproveitamento pessoal. A fragilidade e ruína de instituições financeiras em resultado de investimentos especulativos em fundos estrangeiros, nessa época, espanhóis. A superação das crises dessas instituições através da intervenção do Banco de Portugal e do Estado e pela sua aquisição (fusão) por outras instituições mais poderosas.
É interessante comparar aquela época com a que actualmente vivemos. A ruína dos pequenos e médios empresários e industriais e das famílias, as situações da agiotagem, as contabilidades criativas e a distribuição de lucros inexistentes, a sonegação de informação e publicação de informação falsa, a conivência das autoridades de regulação e de fiscalização, o aproveitamento pessoal e de grupo, investimentos ruinosos em fundos especulativos estrangeiros.
Tal como naquela época, os processos de fusão vão estar na ordem do dia, para além de alguns encerramentos.
1 comentário:
Já tinha visto na net a mensagem. retirei-a para ontem indagar do Zé quem desta terra teria tido a ideia. Ontem quando me encontrei o Ze ele desfez-me a curiosidade. Trocámos mensagens. Continuamos em encontros e situações inesperadas e fortuitas. Gostei imenso do blogue, serei visitante fiel. Um abraço para o pessoal do Porto e Coimbra.
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