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01/03/11

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O BANCO DE BRAGANÇA

Manuel Joaquim
Bragança


O Centro Cultural da Câmara Municipal de Bragança, durante o mês de Fevereiro, teve uma exposição de notas e documentos sobre o Banco de Bragança, de Fernando Silva Carvalho, ilustre bancário, economista, professor, investigador e historiador.

Percorreu arquivos da Câmara Municipal de Bragança, do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos/ Banco Nacional Ultramarino, o Arquivo Distrital de Bragança e o Arquivo Distrital do Porto. Consultou os balanços disponíveis do Banco de Bragança, de 1875 a 1919, e muitas publicações e obras de associações e de autores relacionadas com a História Económica da época. 

Segundo o autor, Fernando Silva Carvalho, é uma história por contar, o nascimento, a actividade e a morte deste banco. Durou 45 anos, entre 1875 e 1919, período que se insere numa época muito conturbada da história de Portugal.

De facto, desde 1808, ano em que a corte portuguesa de D. João VI fugiu das tropas de Napoleão e se refugiou no Brasil; passando por 1822, ano da independência do Brasil; passando por 1832 e 1834, período em que se deu uma guerra civil, entre liberais (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel), com a igreja a intervir directamente no conflito, (já em 15 de Março de 1829, o Vaticano tinha anunciado a excomunhão de todos os liberais portugueses) que levou à morte de dezenas de milhar de portugueses e à confiscação e destruição de milhares de propriedades e de bens, e que oficialmente terminou com a assinatura do Tratado de ÉvoraMonte; a dependência política, económica e financeira cada vez maior de banqueiros e especuladores internacionais em resultado da independência do Brasil e da guerra; a forte emigração com destino ao Brasil; a crise de 1890 e o Ultimatum; o ano de 1910, com a implantação da República com todas as suas consequências; a primeira guerra mundial, 1914 a 1918, com a participação de Portugal; até 1919, foi uma época muito conturbada da História de Portugal.

Segundo Fernando Silva Carvalho, “Entre os anos 1873 a 1875 assistiu-se a uma expansão descontrolada de estabelecimentos bancários inspirada na hipótese de poderem emitir moeda e no aproveitamento das remessas provenientes da emigração. À euforia e especulação desenfreada destes movimentos monetários seguiu-se a crise de 1876 que culminou no encerramento de algumas instituições regionais. Contudo, o Banco de Bragança conseguiu ultrapassar aquele mau momento fruto da sua localização numa região esquecida e sem concentração de poderes. Bragança, longe da capital, sem grande actividade industrial e com um comércio dependente da vizinha Espanha, alimentou a actividade do Banco até à sua absorção, em Dezembro de 1919, pelo Banco Nacional Ultramarino. Passada a vivência da guerra de 1914-1918 esta instituição interessada que estava na expansão das suas agências incorporou em 1919 o Banco Eborense, o Banco Agrícola Comercial e Industrial de Vila Real, o Banco do Douro e o Banco de Bragança.

A ausência de qualquer fonte de informação a nível regional e até mesmo no Arquivo Histórico do Ministério das Finanças não permite saber como foi feita a absorção e as consequências que se fizeram sentir ao nível dos depositantes do Banco de Bragança”

Segundo um documento publicado pela Associação Comercial, Industrial e Serviços de Bragança e utilizado por Fernando Silva Carvalho, dá conta de uma notícia de 1908, que refere as dificuldades na concessão de crédito ao pequeno lavrador devido a “uma usura phantastica, exorbitantíssima, asphixiante, que traz sempre epilogo da liquidação trágica do agricultor.”, … “um juro criminoso de 10, 12, 15, 20 e até 30%, …. que representam um juro anual de 27% a 80%.”

Fernando Silva Carvalho, caracterizando o panorama do sistema bancário implantado em Portugal nos anos de 1874 e 1875, não esquecendo a Lei de 22 de Junho de 1867, que permitia a transformação em instituições bancárias de misericórdias, hospitais e irmandades, refere-se à constituição do Banco de Bragança em 1875 por um grupo de comerciantes e empresários de Bragança “com o objectivo de se poder ultrapassar as dificuldades vividas numa região atrofiada e incapaz de enfrentar os problemas regionais”.

O Banco de Bragança teve uma existência fora do vulgar para a época. A sua actividade manteve-se durante quarenta e cinco anos (1875-1919), conseguindo sobreviver a alguns percalços próprios da sua actividade e implantação mas também às crises de 1876, 1891 e 1917 que afectaram o sistema financeiro do país. Grande parte dos bancos regionais anteriores e posteriores à euforia de 1875 soçobrou às dificuldades entretanto surgidas em 1876.”

Referindo-se aos efeitos da crise de 1876, Fernando Silva Carvalho diz que “Os sintomas de riqueza anunciados não passaram de uma ilusão face aos acontecimentos surgidos com a crise financeira. Franqueadas as portas do mercado bancário por via da liberdade de criação de instituições, de imediato, proliferam as operações especulativas. Face aos acontecimentos entretanto surgidos, o governo da altura, conjuntamente com o Banco de Portugal, viu-se obrigado a estabelecer medidas de emergência no final do mês de Maio de 1876. Só que a especulação financeira e os investimentos feitos em fundos espanhóis contribuíram para a instabilidade financeira o que obrigou a uma intervenção mais activa do Banco de Portugal por via do Decreto de 18 de Agosto de 1876 onde se indicava que ‘O vencimento e pagamento das letras, notas promissórias, depósitos, títulos comerciais e fiduciários entre particulares, bancos e companhias ou sociedades, é suspenso e prorrogado por sessenta dias, a contar do dia de hoje; e durante o mesmo prazo ficam suspensos os efeitos jurídicos dos protestos, e não corre prescrições dos referidos’.

Estavam criadas as condições para as corridas aos bancos…”

Fernando Silva Carvalho analisa os Balanços publicados e disponíveis de 1876 a 1919. Releva as referências efectuadas ao funcionamento e responsabilidades das sucursais do Porto, Braga e Lisboa, nos resultados do Banco. Em 1884 foi encerrada a sucursal do Porto em virtude do gerente ter cedido créditos a um cliente insolvente que era seu sócio. No período de 1909 -1911 é referido um forte litígio com um ex-director, não se identificando a pessoa nem os valores em causa. Em 1918 é referida que “uma medida de carácter fiscal anunciava o elevadíssimo acréscimo das contribuições a pagar no próximo ano de 1919, especialmente no que se refere à contribuição industrial ‘cujas bases de lançamento raiam o exagero’ o que era classificado como «uma verdadeira injustiça» ou até mesmo uma crueldade.

A decisão anunciada baseava-se no critério específico dos chamados lucros de guerra.”

Em 1919 “ era o fim de um sonho posto em prática em Março de 1875”. 

Através de uma exposição tão simples como esta, da criação do Banco de Bragança, é possível aprofundar conhecimentos sobre aquela época, 1875 – 1919, e descobrir a especulação, a agiotagem, a ruína de quem precisa de créditos, os “desvios” e o seu encobrimento, as contabilidades criativas, a sonegação de informação, a nomeação para os órgãos sociais das instituições de pessoas sem formação adequada e o aproveitamento pessoal. A fragilidade e ruína de instituições financeiras em resultado de investimentos especulativos em fundos estrangeiros, nessa época, espanhóis. A superação das crises dessas instituições através da intervenção do Banco de Portugal e do Estado e pela sua aquisição (fusão) por outras instituições mais poderosas.  
É interessante comparar aquela época com a que actualmente vivemos. A ruína dos pequenos e médios empresários e industriais e das famílias, as situações da agiotagem, as contabilidades criativas e a distribuição de lucros inexistentes, a sonegação de informação e publicação de informação falsa, a conivência das autoridades de regulação e de fiscalização, o aproveitamento pessoal e de grupo, investimentos ruinosos em fundos especulativos estrangeiros.

Tal como naquela época, os processos de fusão vão estar na ordem do dia, para além de alguns encerramentos.


MARÇO

Mário Martins

Monet (Champs au Printemps)



Em Março regressa a azáfama com as andorinhas. Flores, cheiros, cores, luz, tudo explode. Lampreias e sáveis sobem os rios para fazerem meninos e morrerem de parto, se não tiverem morrido antes, transformados em preciosas iguarias à mesa dos portugueses que podem e até dos que não podem - c’os diabos, ó mulher, a lampreia ou se ama ou se odeia, uma vez não são vezes, vão-se os anéis fiquem os dedos! -, longe vai o tempo em que o sável era comida de pobres e que a lampreia era manjar exclusivo de nobres e ricos. O tempo aquece. Mãos com hábitos de saber antigo lançam sementes à terra. Projectam-se saídas por estradas e caminhos ensolarados. Por isso, Março era o primeiro mês do ano na Roma antiga, que assinalava o início da temporada das campanhas militares, ou o seu nome não derivasse de Marte, o deus da guerra. Astronomicamente, é o mês do equinócio, da noite igual ao dia, em que a linha da trajectória aparente do sol, a eclíptica, cruza a linha do equador terrestre projectada no céu, rumo a norte, e que marca o começo da Primavera no nosso hemisfério e do Outono no hemisfério sul. É, enfim, o tempo privilegiado de ouvirmos a Sagração da Primavera, essa obra tão inspirada de Igor Stravinsky. Tal como outro grande compositor, Gustav Mahler, “um dia em que o seu assistente, o maestro Bruno Walter, o foi visitar ao seu teórico retiro de férias - na realidade, o laboratório do compositor…-, verificando que ele se colocara na varanda, a contemplar a paisagem, foi retirá-lo de lá, argumentando: - Escusa de olhar…Está tudo na minha Sinfonia!” *, também o compositor russo poderia dizer o mesmo do célebre bailado que, como não raro sucede às grandes obras, tão mal recebido foi pela Paris de há um século.

* Será a 7ª. sinfonia, de acordo com António Victorino D’Almeida, “Toda a música que eu conheço”, da “Oficina do Livro”.


O SÍMBOLO VACILANTE

António Mesquita

"O Discurso do Rei" (2010-Tom Hooper)


Aí está o filme do poder frágil, da majestade a um passo do ridículo que transtorna as nossas ideias feitas sobre uma certa “grandeza”.

Ninguém, no fim da projecção, deixará de se sentir próximo desse homem a quem uma gaguez paralisante impedia de se sentir o rei que tinha de ser. Na era da rádio, com a segunda guerra mundial anunciada, frente a esse “animal da rádio” vociferador exímio que foi Adolf Hitler, Jorge VI não podia apenas mostrar-se como o símbolo supremo, como a “sombra do guerreiro” (Kagemusha) no alto da colina. A tradição que tanto serviu aos seus antecessores não o podia ajudar. Aquele era um novo tipo de desafio que impunha que o monarca descesse à terra e se sujeitasse a ser tratado como um igual por um terapeuta da fala, sem diploma, não reconhecido pela “Ordem”.

A insegurança que Colin Firth nos transmite duma forma tão sensível, a descrença no papel que todos lhe impõem, são vencidas pela coragem e pela vontade que podem ser apanágio do mais humilde e que nada têm de especialmente “glorioso”.

Jorge VI é um homem frágil, apanhado pela máquina dinástica, incapaz de se esquivar com o dandismo do príncipe de Gales, e que carrega um fardo cujo peso todos podemos adivinhar.

A verdade da história não anda longe de certos costumes dos Mares do Sul, revelados pelos antropólogos, que, sob pena de morte, condenavam o “soba” a sentar-se no trono para o resto dos seus dias. Pergunte-se a algum de nós se queria essa prisão, por maior que fosse o harém e por mais requintadas que fossem as iguarias que faziam dele um obeso impotente.


SINFONIA DOS SILÊNCIOS

Alcino Silva
Mina das Sombras


A vida semeia desafios que contêm descobertas a fazer, caminhos a percorrer, lugares a encontrar. Naquele dia, partimos à procura e quando abordamos o desconhecido, temos de acreditar, aceitar que um manancial de surpresas se pode desencadear a cada avanço que façamos. Que o desânimo não acompanhe os que ousam ultrapassar os limites das montanhas. Procurávamos sombras e estas são sempre a projecção de nós ou das coisas quando a luz nos alcança apenas de um dos lados e nos desenha em formas distorcidas ou semelhantes, mas sem que deixem de nos reflectir. É a parte mais escura e consoante as circunstâncias pode assumir contornos de beleza ou de tristeza, quase sempre, de nostalgia.

Contudo, o dia nascera luminoso, frio, mas cheio de luz. Talvez frágil, com uma chama leve, mas suficiente para alimentar a vida da paisagem e saciar essa faminta vontade que transbordava do nosso olhar. Cada curva, fazia o esboço de uma nova pergunta sobre o que surgiria para além do que se vislumbra e a procura da solução conduzia-nos à questão seguinte. O verde dos arbustos misturava-se com o das árvores e multiplicavam-se nessas tonalidades que era um acumular de, ora brancos, ora escuros, ora modificando ligeiramente o pastel colorido em que se transformavam. Os riachos transbordavam de água e ganhavam essa pressa que o Outono lhes dá de descer dos cumes em busca de mar e desciam cantando, umas vezes em estrofes apressadas e ritmadas, outras em melodias, serenas e cadenciadas. E a tudo os nossos olhos interrogavam em serena curiosidade, enquanto saltavam dos castanhos para os amarelos ou se agarravam ao cinzento das pedras como quem desce vagarosamente com receio de cair.  
  
Foi assim que a manhã nos levou e quando cansados abraçamos as Sombras e de longe olhamos as grutas que engoliram no seu interior os que procuravam a riqueza que geraria a grandeza maligna de outros, invertemos o sentido do nosso caminhar, como quem faz girar a rosa dos ventos, sem tempo de perceber o jogo das cores que o sol escrevia com os contornos da serrania, nem a dança cromática do arvoredo que crescia na protecção do ribeiro. Após uma viragem fechada, num desses apertos abertos que a montanha proporciona, o sol abriu-se nesse fulgor morno de declinar, de baixar em voo lento até ao mar e com a chegada dessa luz, dessa quentura outonal tardia, com o horizonte extenso propagando-se em cinzas, senti essa sinfonia que me acompanha nos instantes felizes, a sinfonia dos silêncios, como esferas deslizando sem ruído, como estrelas brincando às galáxias nas eternas noites universais. Como um canto com voz de mulher, bailou, como o som distante e triste soprado sobre as encostas montanhosas da tarde. Invadiu-me e isolou-me do tempo, transformou a paisagem nesse mundo onde vive o belo, os rostos que a alma guarda e imagens que o pensamento recorda. E quando o anfiteatro estava composto, as personagens dispostas nessa harmonia que nos conforta, senti o esplendor da flauta, dessa flauta que toca só para mim, que arrebatei sem licença um dia nos campos marinhos do norte e agora povoa-me os sonhos quando o silêncio me arrebata para essa sinfonia que a vida protege escondida na serenidade das tardes que roçam a perfeição. Chegou com esses leves sons apaziguadores, estendeu as asas como um pássaro andino e brincou no azul celestial na beleza dessa música encantatória. Uns dedos mágicos brincavam sobre as teclas do instrumento e a doçura da vida dançava sobre o caminho, e ao longe, a voz feminina voltava a erguer o seu cântico numa mistura de ternura e nostalgia.

Como átomos pulando no interior dos corpos físicos, a sinfonia estendeu os seus ramos pela noite e quando a fadiga intensa governava os nossos movimentos percebi ainda o som lindíssimo da flauta a perder-se em viagem em direcção à brancura imaculada do selenita lunar. 


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