01/05/09
CRISE SEM FIM À VISTA
Paul Krugman
As iniciativas para responder à crise sucedem-se a um ritmo acelerado, tanto a nível nacional como a nível internacional. Alguns países já vão com diversos planos pela insuficiência dos anteriores. Quase todos com ajudas financeiras e fiscais a importantes sectores da sua economia, designadamente ao sistema financeiro e à industria automóvel, intervindo claramente no funcionamento do mercado e aplicando medidas proteccionistas, contrariando as orientações das organizações internacionais que defendem o comércio internacional como é o caso da OMC.
A desregulamentação da actividade financeira permitiu o aparecimento dos chamados novos produtos financeiros, sem base material sustentável; práticas contabilísticas utilizadas pelas empresas para valorizarem os seus valores de mercado ignoraram prudentes normas contabilísticas, criaram gigantes de pés de barro; o aumento demente das despesas públicas com gastos militares e de guerra; o aumento do crédito para a habitação e para o consumo para compensar os baixos salários controlados em nome dos mercados competitivos; o aumento das taxas de juros ( que depois começaram a baixar) esganaram os orçamentos familiares, provocando uma acentuada quebra no consumo e o incumprimento das suas obrigações com reflexos directos nas empresas, nas próprias famílias e em toda a economia.
Se a livre circulação de capitais permitiu rendimentos astronómicos em aplicações especulativas e sem controlo através dos chamados paraísos fiscais, o domínio estratégico de importantes sectores económicos de muitos países, também permitiu a livre circulação dos chamados novos produtos financeiros, particularmente oriundos dos EUA, hoje chamados tóxicos ou lixo, intoxicando a banca europeia que os adquiriu.
Paul Krugman, num artigo publicado no mês de Abril, “Façam bancos tediosos”, refere que apenas algumas pessoas afirmavam que esse sistema financeiro superdimensionado poderia chegar a um fim destrutivo. Que talvez o mais notável desses profetas de dificuldades seja Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago e ex-economista chefe do FMI. Que ele argumentou numa conferência de 2005, que o rápido crescimento do sector financeiro havia ampliado o risco de “um colapso catastrófico”
A quebra no consumo das famílias, por diminuição ou falta de rendimentos, leva as empresas a reduzir a produção de mercadorias. A redução de turnos, a deslocalização e encerramento nas grandes empresas é um processo fácil nos mercados de trabalho onde impera a precariedade, a falta de fiscalização e a desregulamentação laboral. As pequenas e médias empresas sem capacidade organizativa e financeira não sobrevivem. O desemprego alastra, os incumprimentos alastram, os dramas sociais alastram.
Muitas famílias vêem as suas pensões de reforma a diminuir ou a desaparecer pela fortíssima penalização dos sistemas de capitalização.
Uma parte muito importante do sistema financeiro dos EUA e da Europa descobriu que estava falido. Muitos bancos e seguradoras declaram falência, são encerrados ou absorvidos por outros. Muitos são capitalizados ou nacionalizados pelos estados.
Grandes grupos industriais mantêm-se em resultado de grandes injecções de capital efectuadas pelos governos, mas alguns preparam simplesmente o óbito. O comércio internacional reduz-se significativamente. A procura de novos mercados acentua-se mas as dificuldades de crédito limitam a realização de negócios.
As iniciativas para responder à crise a nível internacional são inconsequentes.
Não deixando de registar as políticas monetárias contraditórias tomadas pela FED e BCE durante o 2º semestre de 2008, e as políticas proteccionistas aplicadas por alguns governos que têm causado grande perturbação internacional, é de registar as contradições entre os resultados da reunião do G 20 de Londres e o que se declarava antes da sua realização: melhor regulamentação, mais fiscalização, fim dos offshores, etc. Acontece que nada disso foi decidido. Os bancos vão manter balanços sem correspondência com a realidade, os offshores vão manter-se. Decidiu aprovar uma verba de um bilião de dólares para reforçar o sistema de crédito, no seguimento do que vários países já tinham feito.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE publicou em 10 de Abril indicadores com fortes declínios para as maiores economias do mundo, particularmente para EUA, Canadá e Japão.
Acontece que os EUA, sendo ainda a maior economia do mundo, é também o maior devedor do mundo. Na primeira metade do ano fiscal de 2009 o déficit orçamental triplicou em relação ao ano anterior. No mês de Março teve um déficit record, quadruplicando em relação ao mês do ano anterior. As receitas fiscais de Março caíram 28%.
Perante este quadro alguns analistas interrogam-se se o sistema monetário internacional não irá sofrer alterações a muito breve prazo, designadamente a manutenção do dólar nas transacções do comercio internacional.
No caso de acontecer a crise será longa e trágica.
O DESTERRO DA FILOSOFIA
"A teoria dos jogos e a de projecto de mecanismo imaginam as pessoas actuando pelo interesse próprio e pela manha. A ciência política constrói modelos baseados em votantes interesseiros, senadores interesseiros e congressistas interesseiros, cada um tentando compreender qual é o seu interesse. Será ser eleito outra vez? Maximizar uma posição particular? E de cada vez se constrói um sistema à volta desta ideia dos indivíduos interagindo na tentativa de maximizar o seu próprio benefício."
John Brockman ("The end of universal rationality")
Esta racionalidade egoísta não é, contudo, confirmada pelos factos. "As pessoas sistematicamente e previsivelmente comportam-se de modo muito mais cooperativo do que o previsto pela teoria dos jogos".
Dentro da mesma linha, os anos noventa conheceram a voga da agency theory (que alguns traduziram pela teoria do agente-principal), de Jensen e Murphy, implicando que toda a gente tem tendência para se "desenfiar", como se diz na tropa. A consequência desta doutrina foi a necessidade de sujeitar toda a gente à monitorização, incluindo os próprios monitores. A estes novos "olheiros" (sobretudo os do topo) foram por isso distribuídos generosos incentivos. "Quinze anos depois, vemos múltiplos de 200 e 500", em relação ao que ganha um empregado "alinhado" pelos interesses da empresa.
Esta cultura entre os executivos tornou-se tão esquizofrénica que vimos recentemente os directores duma AIG salva in extremis pelos dinheiros públicos a reclamarem o direito aos seus bónus principescos.
Temos então que todo um sistema financeiro e empresarial baseado numa teoria aparentemente realista sobre o comportamento humano e alicerçada nos mais competentes modelos matemáticos provou, pelos seus resultados catastróficos, que a misantropia e o julgamento da espécie pelo puro egoísmo tem custos tão gravosos como o idealismo mais descabelado e as engenharias do futuro a que nos iniciou o século XX.
E não parece que esta perigosa deriva se possa combater através da simples recentragem, concedendo, por exemplo, mais espaço às motivações altruístas. Se há uma conclusão a tirar deste impasse, é a de que nenhum pensamento digno desse nome preside às nossas escolhas e disso é significativo o abandono da filosofia e o descrédito a que foi votada pelas várias teorias do sucesso. Uma nova casta colonizou todo o espaço de reflexão que escapa à comunicação de massas: a dos gurus e dos spin doctors, com receitas para tudo, desde a psiquiatria à economia e à gestão de empresas.
DEUSES...
PÁGINAS LIBERTAS
PREVER O FUTURO
PROCURANDO DESREGULAR-ME
DAS TUAS MÃOS
As tuas mãos estão tão parecidas com as do teu pai.
A partir daquele dia várias vezes ao dia olhava para elas, observava as pintas que aos poucos os anos vão salpicando pelo dorso das mãos. Tentava lembrar-se das que lhe tinham servido de original, se as pequeninas manchas também tinham procurado no mesmo sitio assento bom para ficar, por vezes fechava os olhos, via essas mãos grandes maiores ainda, as suas pareciam encolher-se e desaparecer num rolo apertado dentro daquele ninho mantendo-as quentes.
O pai tinha sempre as mãos quentes. Nunca soube como ele fazia aquele truque, mesmo com muito frio as mãos eram sempre quentes. E fortes, conseguiam abrir qualquer frasco, puxar as cordas dos baloiços, partir paus e outras coisas assim.
Abraçavam para dentro do peito. Por vezes doía de tanto.
A partir daquele dia e várias vezes ao dia olhava as suas mãos.
Escreveu sobre as mãos do pai, o que elas tinham feito, dessas pintas salpicadas que chamam o tempo, das funduras entre os ossos onde se contam os meses do ano.
Percebeu que as mãos eram tão parecidas com as dele porque lhe guiavam o lápis no caderno a desenhar as letras. Eram um decalque de amor.