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01/11/08

O SOBRETUDO


Cristina Guerreiro
Homme mettant un pardessus de Dethomas Maxime



Avistou-o sentado, aquele ar grave quase carrancudo que lhe conhecia parecia fazer parte da indumentária, um complemento ao sobretudo grosso cinzentão que lhe tornava os ombros mais quadrados.

Sentiu um aperto no peito.

Avançou, tocou-lhe na mão agarrada ao jornal, ele levantou-se e abraçou-a forte, vagarosamente, enorme na sua estatura, delicado no enlace.

Sentaram-se de mãos dadas, ela sentiu distintamente o calor dele amornar-lhe as suas vindas do frio de fora, o sorriso dele doer-lhe mais no peito.

Ele falou dos dias de sol por vir e do frio que os obrigava a chegarem-se mais um ao outro. Ela não foi capaz de lhe dizer, concordou com um aceno de cabeça, procurou dentro de si coisas bastantes que lhe mudassem a vontade mas não foi capaz.

Dizia que sim ao que ele lhe dizia e dizia não, nem sempre, à voz do peito, a quem falava fluente sobre a sua decisão mas emudecia-lhe o olhar quando achava que tinha chegado a altura.

Nunca seria a altura ideal. Nunca seria o nome do dia em que ele entenderia e nunca era também o carimbo que selava a coragem precisada naquele instante já tão adiado.

Nunca seria capaz de lhe dizer que o gostava como se gostam das coisas simples da vida, de homens bons que se zangam na ira da injustiça, daqueles que erguem o punho ao marcar-se a vitória. E nunca seria capaz de lhe dizer que no peito lhe faltava a lenha para queimar barcos e nadar até à margem só para agarrar a estrela do mar.

Por tudo isso, quando se levantaram ela enfiou a mão esquerda no bolso do sobretudo dele como sempre fazia. Por tudo isso ela voltou atrás para buscar qualquer coisa esquecida.

E por tudo isso ele haveria de a esquecer quando achasse no bolso o bilhete a dizer-lhe adeus.


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