Para compreendermos a política, podemos servir-nos do discurso que ela tem para si própria?
Um partido não deverá ser julgado como se a adequação do programa à sua prática fosse a questão.
As organizações precisam, mais do que apresentar uma imagem para o exterior, de se justificarem a si próprias, para o que servem, fundamentalmente, o programa e a interpretação que elas fazem da sua praxis.
Nesse trabalho de auto-referenciação, como diz Niklas Luhmann, a manutenção de um índice de diferença, frente às organizações concorrentes, faz parte da função legitimadora. Não importa que a diferença seja apenas verbal, nem que, com o tempo, possa entrar em contradição com posições passadas (neste caso, a história deverá ser reescrita de acordo com uma "síntese superior").
É evidente, por exemplo, no caso das duas centrais sindicais que ambas fazem parte de um sistema, com uma semântica própria. Ao nível confederal, além disso, o sindicalismo encontra-se demasiado próximo da política para a prática de cada central não ter de marcar uma diferença, não só em relação à outra, como em relação aos próprios partidos. Embora a independência em relação aos partidos faça parte do código de legitimação das centrais, sabemos que a realidade pode ser muito diferente, obrigando a uma certa elaboração teórica destinada a fazer passar a nuvem por Juno.
Tanto a UGT como a CGTP não são livres, de facto, de terem o discurso que querem, porque sempre a justificação de uma dependerá do que a outra diz ou faz, de se saber apresentar essa prática como essencialmente distinta e, dadas as raízes históricas do sindicalismo, como moralmente deficitária.
Os "legítimos interesses dos trabalhadores" são o sol que ilumina esta ideia do Bem. O que esse sistema de tandem confederal implica é, porém, que esses interesses façam realmente parte da "ideologia" e que os fins reais de cada organização se refiram à própria organização, como nos propõe a teoria dos sistemas.
Definir, no contexto da complexidade política e social da sociedade moderna, e a cada momento, o que são, de facto, os interesses ( a curto, médio e longo prazo) dos trabalhadores não está, feliz ou infelizmente, ao alcance de nenhum plenário ou de nenhum secretariado. O que está ao alcance de qualquer um deles é, precisamente, a continuidade de um discurso auto-legitimador, a coerência ideológica e, sobretudo, o rendimento duma diferença formal zelosamente mantida com a central concorrente.
Neste tandem, as centrais sindicais dependem, portanto, uma da outra. O discurso da responsabilidade da UGT não seria verosímil (e legitimador), nem o da "superioridade moral" da CGTP, sem a constante referência à prática, real ou suposta, da rival.
Não podemos saber de que forma, por exemplo, a "unicidade" modificaria esta situação, mas não é razão para nos lamentarmos. A central única teria, provavelmente, muito menos capacidade para parecer responder aos problemas, donde a sua inevitável perda de legitimidade.
Dito isto, as razões para se preferir uma central à outra, em nome dum programa ou duma prática sindical, mantêm-se, evidentemente, válidas, embora num plano, de facto, lateral.
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