Mário Martins
É claro para mim que a única fonte de conhecimento e compreensão é a observação e o pensamento humanos ou, melhor dizendo, a mediação da realidade pelos sentidos e pela mente humanos.
Se assim é, e sendo a natureza um dado do qual os seres humanos são um produto (não interessa agora se a natureza foi criada ou é incriada), segue-se que a humanidade não pode furtar-se à sua condição de aluna da realidade, aprendendo por tentativa e erro.
Esta condição está, aliás, bem assumida pelo método científico, o qual, face aos factos observados, imagina hipóteses e experiências, visando construir modelos de interpretação da realidade ou de bocados dela, os quais não só devem explicar como e porquê ocorrem os factos observados, como devem determinar que, em condições dadas, esses factos terão que necessariamente ocorrer, estabelecendo e descobrindo, assim, as teorias científicas e as leis da natureza.
Nunca é demais assinalar que a principal característica do método científico é que o modelo, para além da sua coerência lógica interna, tem de estar em concordância com os factos observados, quer no próprio momento da sua construção quer no futuro. Isto significa que se novos factos ou factos antes não considerados não forem explicados ou contrariarem o modelo (e assumindo que este não estava pura e simplesmente errado), a teoria tem que ser revista ou abandonada.
Portanto, o que é essencial mas também dramático na ciência é a incerteza ou, dito de outra maneira, é o carácter incerto das suas certezas (passe o jogo de palavras). Isto é de tal modo condicionante, que mesmo quando uma teoria resiste à passagem dos séculos nunca podemos estar absolutamente certos de que a descoberta de novos factos não venha pô-la em causa.
Tal não quer dizer que a teoria não constitua, eventualmente, uma verdade absoluta, nós é que nunca o poderemos saber. Para usar uma imagem, é um pouco o que se passa com a visão da nossa galáxia. Só conseguimos observar, em céu nocturno propício, um braço ou uma porção dele, na forma de uma majestosa “estrada do leite”. Para a vermos completamente teríamos que sair dela (como saímos da Terra), o que é uma ideia ainda assim menos absurda do que sair da natureza…
Existe ainda uma variedade da crença na omnisciência progressiva da ciência que consiste em acreditar que a lei da evolução por selecção natural fará aumentar de tal ordem as nossas capacidades cerebrais, que nos transformará um dia, por assim dizer, em deuses. O problema, no entanto, mantém-se. Como poderemos saber que as nossas capacidades mentais atingiram o horizonte divino? ou que a lei da evolução cessou os seus efeitos?
Anthony Kenny, na sua obra já citada, afirma “não acreditar que todas as áreas problemáticas serão (no futuro) suficientemente clarificadas para se estabelecerem como ciências independentes: a teoria do significado, a epistemologia, a filosofia da mente, a ética e a metafísica serão sempre filosóficas”.
Não poderia estar mais de acordo com ele. Acho, contra a moda do tempo, que a filosofia não só é necessária como sobreviverá à vaga obscurantista que assola o mundo de hoje.
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