01/01/08
ABISMO
Veio para me propor a venda de um livro de cinema, um calhamaço em inglês recheado de fotografias a preto e branco de filmes desde os anos 60. Era aliás um especialista, conhecia os títulos, os argumentos, as datas, os realizadores, os actores e, como me disse mais tarde, era também um grande consumidor de filmes de terror, que ficava a ver pelas noites dentro depois de regressar a casa, do bar onde actuava como “drag queen”.
“Olhe, nem imagina o que me custa vendê-lo. Mas é muito volumoso e não tenho espaço lá em casa”. Soube logo que mentia quando me disse que vivia num quarto de pensão na Cordoaria e que tudo o que trazia vestido incluindo o relógio lhe tinha sido dado pelo namorado. “É ele que me veste porque os trapos estão muito caros. Mas agora decidi dar-lhe um presente. Quanto é que me dá pelo livro? Veja lá o que me vai oferecer porque ele vale mais de 12 contos pela moeda antiga”. Apercebendo-se da minha reserva, acrescentou sem esperar a minha resposta: “Pronto, fica por 5 contos, mas prometa-me que mo volta a vender pelo mesmo preço quando eu puder vir comprá-lo outra vez”.
Voltou várias vezes à livraria, ao fim da tarde, para “desabafar” e “descontrair” antes de se preparar para o espectáculo da noite. Chegava exuberante, falador, sem qualquer pudor nos gestos, na voz e no discurso “gay”. Adorava a mãe, de quem falava repetidamente descrevendo-a nos mínimos detalhes, e que dizia ser a única que o compreendia. Pediu-me para lhe guardar um livro do Ruy de Carvalho para lhe oferecer quando o pudesse comprar. A irmã condenava o seu modo de vida e passava a vida a insultá-lo e o irmão acusava-o de ter sido abusado por ele em pequeno. “Mas é mentira, não fui eu, foi o meu pai, que felizmente já morreu. Aliás esse meu irmão está há anos internado no Magalhães Lemos, doido varrido”.
Quando entrava um cliente na livraria, sentava-se como um menino bem comportado e não abria mais a boca até o cliente se ir embora. Tinha essa elegância. Depois recomeçava a agitar-se, com os mesmos modos extravagantes, como se estivesse num palco a tentar seduzir um público cansado. “Na rua chamam-me “bicha” mas eu não me importo. São uns ignorantes”. E punha-se a explicar-me a diferença entre “bichas” e “gays”: bicha é a ralé e gay é o artista. “Eu tanto sou uma coisa como outra, percebe?”
A última vez que o vi, reparei que os olhos estavam estáticos e vidrados, no meio do turbilhão do corpo e dos esgares do rosto. Por trás dos olhos vislumbrei uma espécie de abismo. Era uma tarde de verão escaldante e ele trazia um gorro de lã na cabeça. “Estou cheio de medo, tenho muito frio, a minha cabeça está a ferver. Preciso que me diga qualquer coisa antes do espectáculo”. “Mas o quê, Mário ?” – perguntei. “Sei lá, olhe, um poema por exemplo. De certeza que sabe algum. Preciso muito. Daqui a pouco vou começar a maquilhar-me e a vestir-me para o espectáculo, e preciso que me diga um poema. Estou com tanto medo” – insistia.
Só me lembrei do “Quási”, do Mário de Sá-Carneiro, que ele ouviu com os olhos muito abertos e religiosa atenção. “Mas esse é triste. Mas não faz mal. O que conta é a intenção. Obrigado na mesma. Dê-me um beijinho e deseje-me sorte. E não se esqueça de guardar o livro para a minha mãe”.
Não voltei a vê-lo. E já arrumei na estante o livro do Ruy de Carvalho.
A ESQUERDA DA DIREITA E A ESQUERDA DA ESQUERDA
Existe hoje, na esquerda, como que um diálogo de surdos entre os que não se conformam com as injustiças do capitalismo (ou das democracias capitalistas), mas se distanciaram das experiências falhadas do socialismo, e os que, não se conformando com o capitalismo, procedem ou falam como se o socialismo não tivesse existido.
Se os primeiros correm o risco de se acomodarem, os segundos correm o risco de se abrigarem numa espécie de religião profana.
Vem isto a propósito de um jornal* liderado, entre outros, por José Mário Branco, membro daquela plêiade de cantores de intervenção que, na esteira de José Afonso, tanto influenciaram e animaram a esquerda, os democratas, a música e a cultura portugueses, sobretudo nos anos sessenta e setenta.
Afirma-se o jornal “à esquerda da esquerda do sistema” e, de facto, tanto zurze no capitalismo e no seu actor político principal do momento, o PS, como, aqui ou acolá, no PCP e no BE. Mas, tal como estes, quanto ao “para onde e como”, quanto ao desenho de um modelo de sociedade alternativo, de que se dão ares de ter, e do modo de lá chegar, nada.
É certo que o PCP, que sempre apoiou o regime soviético (não indo além de uma crítica tímida a alguns erros cometidos), e o BE, crítico desse regime, continuam, em dias de festa, a apontar a meta do socialismo, tal como hoje faz Hugo Chávez que quer a Venezuela no rumo do “socialismo do século XXI”. Mas o que é que isto, de facto, quer dizer, ninguém sabe.
Ultrapassada que fosse a democracia capitalista, o que lhe sucederia? Aplicar-se-ia a velha receita (partido único; censura; controlo dos sindicatos; proibição ou forte limitação dos direitos de manifestação e de greve; polícia política; dependência dos poderes legislativo, executivo e judicial; concentração do capital no estado e abolição prática do mercado)? Ou o quê?
Sem dúvida que não pode deixar de constituir motivo para redobrados escândalo, crítica e resistência que até em países ricos e poderosos grasse essa injustiça fundamental que é a pobreza, e que, a cavalo da globalização, se propague por todo o mundo uma espécie de vírus anti-social. Esta é, de facto, uma situação que não se pode justificar com coisa nenhuma.
Mas não podemos ter hoje a mesma relação com os ideais do socialismo e do comunismo como se não tivessem havido as experiências que conhecemos. O meu ponto é que a esquerda só poderá reconstruir uma ideologia política credível e mobilizadora precisamente na base da crítica das experiências socialistas fracassadas, dela retirando todas as lições. É o que, de resto, se exige a quem instaurou um regime ou um sistema segundo uma teoria alegadamente científica, mas que não respeitou o método fundamental da ciência nem sequer as célebres máximas dos líderes revolucionários (“a prática sem a teoria é cega, a teoria sem a prática é estéril” ou “da teoria à prática, da prática à teoria” (sublinhados meus)).
O meu ponto é que a esquerda deve, desde logo, defender o aprofundamento e a prática de todos os direitos humanos contidos na Carta Universal, sejam os políticos, os económicos, ou os sociais. Mas isto não chega nem é o principal.
Fundamentalmente, é preciso que a esquerda defina e torne claro um projecto das transformações que, nos planos político e económico, considera necessárias para que daí resulte um progresso social. Concretamente, vai continuar a encarar a democracia política como formal e burguesa ou quer aderir aos seus valores (que nunca é demais lembrar: liberdades de expressão, de criação intelectual e artística, de informação, de associação, de manifestação e greve; separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, entre estado e religião; subordinação das forças armadas ao poder político; eleição periódica de representantes por voto universal, directo e secreto; limitação dos mandatos; votação universal, directa e secreta sobre assuntos excepcionais) e lutar pela sua integral aplicação? Vai continuar a defender uma política de nacionalizações ou quer encontrar formas de regulação e controlo do capital sem pôr em causa a funcionalidade da livre concorrência em sistema de mercado? Vai continuar a sonhar com o assalto ao “Palácio de Inverno” ou quer seguir a via pacífica? Vai continuar a defender o “socialismo num só país” ou quer pensar em grande escala?
Se e enquanto a esquerda e a esquerda da esquerda portuguesas (para só me referir a estas), que justamente denunciam e movimentam contra a pobreza e a injustiça, não responderem, construtivamente, a estas questões, então bem pode dizer-se “que o rei vai nu”…
A FICÇÃO DO FUTURO
A ficção científica é uma preparação do futuro que fica quase sempre aquém da realidade.
Os sonhos mais visionários de Júlio Verne são hoje ingénuas especulações sobre a nossa capacidade de transformar o mundo.
E a advertência de Marx aos filósofos parece um contra-senso quando, mesmo sem eles, o mundo se transforma a um ritmo alucinante e o que se verifica, se calhar, é antes um défice de interpretação.
Tudo muda depressa de mais, e o mais que se pode dizer é que estamos envolvidos nesse processo, como no interior duma onda, cuja direcção não conhecemos nem dominamos.
Os cada vez maiores recursos afectos à investigação e a sucessão de descobertas que dão às vezes lugar a novos paradigmas do conhecimento não mudam o essencial da nossa situação. Como responsáveis pelo nosso destino, continuamos na situação do homem grego que injuriava os deuses pelos seus próprios erros. Isto é, se somos responsáveis pelo que acontece à vida de todos, é como a criança que sabe ter destruído o brinquedo, mas que não sabe por que o fez.
A ficção científica tornou-se nos últimos anos um exercício de sobrevivência, quando nos damos conta que já temos força que chegue para destruir o planeta, tal como o conhecemos.
É preciso toda a retórica da literatura, da rádio e do cinema para nos fazer prefigurar um futuro ameaçado por continuarmos a ser o que sempre fomos, a uma nova escala e dentro de parâmetros fatais.
É o nosso planeta em perigo que faz de todos nós uma só humanidade. E é uma questão de tempo, se ele não nos faltar, para que nos tenhamos de adaptar com novos órgãos mundiais e um novo espírito.
FOI TUDO MENTIRA...!!!
A memória gasta pelo tempo já não guarda todos os pormenores. Era o mês de Julho do ano de 1974, aí por essas 8 horas da tarde já crepuscular e na entrada de uma aldeia do vale de Fergana na longínqua Ásia Central oito homens de várias nacionalidades e idades, perfilavam-se ante o monumento aos homens soldados da aldeia, mortos em combate na guerra mortífera ali conhecida pela Grande Guerra Pátria. Em uníssono e em idiomas diversos entoaram a Internacional, homenageando aqueles dos mais de vinte milhões que haviam lutado e perecido por uma pátria, um ideal, um sonho, algo que sentiam e que chegaram a ver com os olhos que a terra levou. Tudo começou há milhares de anos, desde que o ser humano é subjugado por poderes que governam e se governam em opressões sem nome e sem lei com a excepção das que criaram para si próprios. Ficou simbolicamente assinalado pelos canhões do cruzador que navegava no delta do Neva e pelo assalto ao Palácio de Inverno que no dizer de Moshe Lewin não deixa ver, se aí nos fixarmos, o que foi o colapso de todas as instituições de poder. A partir desses instantes, o povo russo que há escassos 60 anos se libertara da servidão, iniciou um processo e uma experiência histórica inolvidáveis, tanto mais se pensarmos no estádio de desenvolvimento em que se encontravam os povos envolvidos. Em escassos 35 anos e apesar de uma guerra civil terrível e uma outra guerra insuportável, conseguiu tornar-se uma potência industrial, alcançar níveis de desenvolvimento agrícola extraordinários e passar de ser um povo que viajava na 5ª classe dos comboios – que se situava na parte superior e exterior das carruagens -, para viagens pioneiras no espaço. São autênticas epopeias os processos de industrialização, ímpares no mundo e na história pelo romantismo dos que participaram na construção de projectos que haveria de lançar o conjunto daqueles povos para índices de desenvolvimento desconhecidos, como tão bem os descreveu Ilya Erhenburg em o “2º Dia da Criação”. A diferença do que se vivia naquele espaço terreno do restante do planeta é que quem governava não eram os grupos possidentes de sempre, mas antes os de baixo, elevados às vestes do poder. É verdade, que como todas as experiências históricas, esta cometeu os seus erros, talvez demasiados se apreciados a partir de hoje, porventura, alguns toleráveis e compreensíveis se colocados no seu contexto histórico e outros dispensáveis e não aceitáveis tendo presente os princípios e os valores éticos daqueles que construíam o novo. Contudo, não parece acertado historicamente tapar o sol com a peneira. Nunca até à actualidade, nenhuma sociedade garantiu tantos direitos como aquelas que foram construídas naqueles países. Falharam é certo, por não compreenderem a totalidade da evolução histórica, por acelerarem o quadro mental que evoluía ou por pensarem que os processos revolucionários são lineares e irreversíveis, no domínio das liberdades individuais, dado que os interesses colectivos nunca deixaram de se encontrar garantidos. A Declaração, que as Nações Unidas haviam de aprovar em 1948 como os Direitos do Homem, contém direitos e liberdades. Como se disse, ao nível dos direitos já há mais de vinte anos eram prerrogativa dos povos que enveredaram por esse caminho. Ainda as feministas inglesas lutavam pelo direito do voto e já as mulheres russas viam esse direito garantido pela revolução. A razão que conduziu a que as liberdades não alcançassem do ponto de vista individual, outros horizontes, mereceria uma outra análise histórica, nomeadamente em comparação com essa mesma liberdade nos restantes países, sobretudo os que constituíam o espectro europeu. Pese embora todos os avanços alcançados, pese embora todos os êxitos sociais, pese embora todos os índices de qualidade de vida obtidos, hoje, dizem-me que …, foi tudo mentira….!!! Naturalmente que hoje pode ser até cómodo tapar o sol com o argumento de que Estaline foi um malandro. É evidente e inquestionável que existiram actos de exercício de poder que não devem ser tolerados, quanto mais não seja, pelo valor que representa a vida humana para aqueles que heroicamente têm sacrificado a vida por ideais de valor ético-moral acima de qualquer suspeita. Mas, sem desculpar o que não pode ser compreendido, não parece historicamente correcto analisar esta personagem desinserindo-a do contexto histórico da época. É importante realçar que ao tempo, as tão celebradas e ditas democracias que hoje não passam de exercícios de poder de partido único bicéfalo, se preparavam para a mortandade colonial que trinta anos depois ergueria uma montanha de milhões de mortos, somados a todos os outros milhões que a chegada colonial havia já morto, torturado e escravizado. É evidente que uma morte democrática não é a mesma que uma morte num contexto de ditadura. Que o diga o cidadão brasileiro assassinado com sete tiros na cabeça quando um democrático polícia britânico quis ter a certeza que não só estava morto, como completamente morto. Que o digam os torturadores da CIA que raptam cidadãos em qualquer parte do mundo, os encapuçam, transportam para centros de tortura e os fazem desaparecer. Haverá até um certo agradecimento por parte destes cidadãos quando sociedades livres e democráticas lhes dão o prazer destas violências. Que o diga o povo iraquiano quando um conjunto de democratas em nome de uma das maiores intrujices da história, mergulhou aquele país milenar numa girândola de cadáveres cujo fogo de artifício ainda não terminou. Este capitalismo que chegou aqui elevando para limites incomensuráveis as desigualdades sociais que continua a anafar uma minoria opulenta e parasitária, que não garante aos cidadãos do mundo, qualquer um dos direitos da Declaração dos Direitos do Homem e quanto às liberdades ilude o mundo com a ideia da liberdade de expressão desde que não passe as margens dos Cafés e não sirvam para outra coisa que não a expressão pessoal. Como escrevia há dias no Público São José de Almeida, não é de liberdade que falamos, é que tipo de liberdade é que estamos a falar. Em relação àqueles que me dizem que foi tudo mentira, sou dos que olham para a história como uma larga viagem, dos povos, dos Homens, da humanidade e não vejo os acontecimentos que surgem nesse percurso como uma fatalidade do qual não se sai. Nem os erros cometidos pelos descamisados na sua experiência histórica são uma fatalidade que os condenou para todo o sempre e muito menos o capitalismo será uma fatalidade histórica da qual não nos desenvencilharemos. Nesta viagem extraordinária socorro-me das palavras desse andarilho do planeta que dá pelo nome de Gonçalo Cadilhe quando citou «Ítaca» o poema em que Cavafy exorta Ulisses: «Mas não te apresses nunca na viagem. /É melhor que ela dure muitos anos/ Que sejas velho já ao ancorar na ilha/ rico do que foi teu pelo caminho/ e sem esperar que Ítaca te dê riquezas. / Ítaca deu-te essa viagem esplêndida (…)» e Cadilhe acrescenta que «O sedentário está perdido porque tem um destino que não encontra. O nómada não procura, encontra-se no próprio acto de viajar». Sou dos nómadas que prefere a viagem das ideias, a descoberta do novo e que tudo isso se encontra, não num destino, não num porto, mas em permanente viagem, daí que não sinta receio pelo futuro e aos que me dizem que foi tudo mentira, apenas posso argumentar que a história nunca tinha tido registo de tão grandiosas verdades.
“Unicamente por causa da desordem crescente
Nas nossas cidades com as suas lutas de classes
Alguns de nós nestes anos decidimos
Não mais falar dos grandes portos, da neve nos telhados, das mulheres,
Do perfume das maçãs maduras na despensa, das impressões da carne,
De tudo o que faz o homem redondo e humano, mas
Falar só da desordem
E portanto ser parciais, secos, enfronhados nos negócios
Da política, e no árido e «indigno» vocabulário
Da economia dialéctica,
Para que esta terrível pesada promiscuidade
Das quedas da neve (elas não são só frias, nós bem o sabemos),
Da exploração, da tentação da carne e da justiça de classes,
Não nos leve à aceitação deste mundo tão diverso
Nem ao prazer das contradições de uma vida tão sangrenta.
Vocês entendem.”
Bertolt Brecht
SEGURANÇA SOCIAL (continuação)
1982 - Reformulação do regime dos Trabalhadores Independentes e dos Profissionais de Serviço Doméstico.
- Criação do Seguro Social Voluntário
- Enquadramento dos artistas, intérpretes ou executantes
- Clero
- Reestruturação do esquema de protecção dos Jogadores de Futebol
- Criação de um Sistema de Verificação de Incapacidades Permanentes
- Alteração dos Prazos de Garantia - Pensões
A partir de 1984: Invalidez - 60 meses de contribuições
A partir de 1987: Velhice - 120 meses de contribuições
1983 - Reformulação dos regimes de protecção social dos Trabalhadores Agrícolas
1984 - Lei nº. 28/84, de 14 de Agosto - Lei de Bases da Segurança Social
Dinamiza o preceituado no artigo 630 da Constituição:
O Direito à Segurança Social é efectivado pelo Sistema cuja administração compete ao Estado.
-Regimes de Segurança Social
Regime Geral - Trabalhadores de Conta de Outrem e Trabalhadores Independentes.
Regime Não Contributivo - Protecção em situação de carência económica e social a cidadãos nacionais, podendo ser extensiva a refugiados, apátridas e estrangeiros residentes.
Acção Social tem por objectivo a protecção nas situações de carência, marginalização social, assim como a integração social.
Financiamento da Segurança Social:
- Contribuições:
. Empregadores e Trabalhadores
. Transferências do Estado e outras entidades públicas
Regime Geral - Contribuições
Regime Não Contributivo - Transferências do Estado
Acção Social - fundamentalmente por Transferências do Estado (há receitas próprias)
Esquemas de Prestações Complementares
Prestações complementares das garantidas pelo regime geral, ou correspondentes a eventualidades não cobertas por este.
Gestão - privada - Associações Mutualistas, Seguradoras, ou outras pessoas colectivas criadas para o efeito.
1985 - Instituído o esquema de Seguro de Desemprego, integrado no regime geral -eventualidade Desemprego - Decreto-Lei nº 20/85 de 17/1
Concluído o âmbito material do regime geral - 8 eventualidades
1986 - Taxa Social Única - Decreto-Lei nº 140-D/86
35,5%: Entidades Patronais - 24%+0,5%
Trabalhadores - 11%
- Medidas de política activa de emprego - D.L. 257/86, de 27 de Agosto
Dispensa de contribuições às entidades patronais - reformulações com agravamento para a segurança social
1987 - Integração dos Trabalhadores Agrícolas no Regime Geral
- Sistema de Verificação de Incapacidades Permanentes
Criado em 1982, só em 1987 foi regulamentado e implementado.
1989 - Regimes Profissionais Complementares
Decreto-Lei nº. 225/89, de 6 de Julho
Criação do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS)
D.L. nº 259/89, de 14 de Agosto
- Desemprego - reformulação da legislação
D.L. 79-A/89 de 13 de Março - D.L. 418/93, de 24 de Dezembro
D.L. 57/96 de 22 de Maio
. Período de concessão das prestações por escalões etários
. Reforma antecipada a partir dos 60 anos
. Subsídio social de desemprego
1990 - Código das Associações Mutualistas
Decreto-Lei nº. 72/90, de 3 de Março
Alteração da legislação sobre protecção na eventualidade Morte - princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres
- D.L. nº 322/90 de 18 de Outubro.
- 14º Mês de Pensão - Portaria nº 470/90, de 23 de Junho
SEI MENOS DO QUE UMA MIÚDA DE TREZE ANOS
A solidão dos "sem curriculum" é terrível. Na altura do Natal a situação paradoxalmente piora. Não recebemos cartões, excepto aqueles que enviamos endereçados a nós mesmos, para a mulher e os filhos não ficarem com a ideia que não merecemos reconhecimento ou não somos sequer lembrados e merecedores das palavrinhas e dos votos, do costume.
A situação agrava-se inexoravelmente, quando atingimos a reforma. É a triste sina de um sexagenário. Para além do esquecimento, somos zurzidos com as críticas do costume : “então já reformado e nós a pagar o luxo”. Tomam-nos como espécie de parasitas, que os no activo têm de suportar, com muitas lágrimas e suor. Reformado e sem curriculum, tende a valer zero na escala social.
Tive de melhorar a imagem. Inactivo, mas interventivo, eis a solução. Tive que arranjar forma de ser reconhecido. Pelo menos, lá na rua. Entendi valorizar o meu perfil de intelectual. Deixei crescer pêra e passei a usar os cabelos artisticamente desalinhados à Pacheco Pereira. Visto informalmente, mas tudo roupas de marca. Passei a andar sempre com um livro debaixo do braço, de preferência de : Proust, Jorge Luís Borges, Nietzsche, Maquiavel ou Sun Tzu. O Zé da Frutaria, a Svetlana (universitária russa a viver em Portugal), o pastor Floribelo, o Luís do Café, o Ilídio (Técnico de Arrumação de Carros), o Silva (porteiro do bar e da pensão), o Santos (o Príncipe das Retrosarias) e a Rute Marlene (a Rainha do Peixe) ficam muito impressionados e tomam-me como um verdadeiro intelectual, o que muito me envaidece. Questionam-me sobre os mais diversos assuntos, como se fosse uma enciclopédia. Já andava cheio de os ouvir. Comecei a aparecer com menos frequência. O dia passou a ter mais horas, e os meus pés começaram a queixar-se por lhes dar excessivo uso. Tinha que tomar uma decisão e reverter a situação. Resolvi, então, animar um encontro semanal, “a quadratura do círculo do meu bairro”, para discussão aberta sobre temas de interesse geral. Sou o moderador e o assunto é escolhido por votação dos participantes. A selecção dos temas, a votação, a discussão prévia e informal em jeito de aquecimento, a preparação exigida a um moderador, ocupam-me, motivam-me e dão descanso ao corpo. Sinto-me realizado com a iniciativa. No próximo encontro, debateremos o tema : “ As claques e as profecias de Pacheco Pereira”. Ando feliz !
Custa-me confessar que nas épocas de S: João fujo desta gente, porque nos concursos de quadras de S. João nem uma menção honrosa recebi. Fui sempre desclassificado. Felizmente, que os meus amigos desconhecem essa participação, porque concorro sob pseudónimo. O Zé da Frutaria que tem ganho quase sempre, não me larga nessas alturas. Pede-me, venenosamente, para participar. Acho que desconfia que vou lá, mas que sou um falhado em quadras. Na dúvida, ultimamente tenho aproveitado para, nesse período, ausentar-me do Porto e gozar um curtíssimo período de férias.
Passeava os meus livros pelos sítios do costume, quando o Zé da Frutaria (ultimamente, sempre acompanhado pela Rute Marlene) me veio convidar para participar no festival de quadras natalícias lá do bairro, que ia organizar, sob os auspícios da Junta de Freguesia. Fiquei atrapalhado, disse-lhe que estava muito ocupado, mas o gajo não me deu baldas. “O grupo precisa de todos para conseguir um brilharete. É indecente, se não participar.” Fiquei aflito. O tipo encostou-me às cordas. A Rute Marlene, sorria com malvadez. Vou fazer os possíveis por desaparecer, mas tenho de arranjar um pretexto invencível. Provavelmente passarei o primeiro Natal fora do País. Mas, temo que a sucessão de fugas os leve a multiplicar as iniciativas. Estou num dilema, e tenho que sair por cima. O reconhecimento que recebo, assim o exige. Tenho que pegar o touro pelos cornos. Talvez aproveite um poema de Natal que a minha neta escreveu para um trabalho escolar alusivo à quadra. A minha neta (é muita criativa) aceita “emprestar-me” o dito, e promete silêncio total, desde que na noite de Natal, depois do bacalhau e das rabanadas, mas antes da abertura das prendas que estão no sapatinho, faça um brinde, gritando bem alto : “sei menos que uma miúda de treze anos”. Vou ter de aceitar. O poema é naif, mas giro. O segredo fica em casa, bem guardado. Malefícios da TV, mas noblesse oblige. Acho que me vou safar.