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30/11/07

TEMPOS MODERNOS

Ana Cristina Guerreiro



Cigarro cravado nos lábios, caneca de café a fumegar, o olhar penetrante a aguardar o flash que ilumina o ecrã. Lá vem ela, faz-se luz, agilidade no pulso e rapidez no click que se acomoda na concha da mão. Acede: entra no universo, afunila-se o cérebro nos cabos, motor de busca à velocidade da espera ansiosa. Mas a página impertinente faz-se rogada, o pisco intermitente do modem enlouqueceu, a porta atirada à cara esborracha-lhe a expectativa, dispara continua e furiosamente, tenta sair, entrar de novo. Nada. O monitor parece uma natureza morta. Desliga tudo, liga tudo. Repete-se nos gestos anteriores resultando o praguejar mais veloz do que a desenvoltura do mecanismo. Fecha os olhos, murmura abre-te sésamo. Nada se abre. Derrotado, vira as costas ao computador, bebe o café amargo e frio, acende dois cigarros, o terceiro queima malcheiroso no amontoado das beatas. A televisão mostra o mundo selvagem onde os leões dormitam arfantes à espera que as fêmeas façam o laço funesto à zebra assustada. Recolhe os joelhos ao queixo, sente-se só e acossado, as horas sem passar, muito cedo para dormir muito tarde para pedir ajuda. Olha o computador com piedade, afasta o teclado, racha um livro ao meio, as linhas de palavras fogem para os cabos mal ligados, empurra tudo o que é ficha. Nada se alterou.

Agarra uma caneta e num papel escreve: "Tempos modernos estes, em que a falta do computador me deixa triste. Que seria se não houvesse luz? E se tão pouco eu soubesse ler nem escrever?"


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