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30/09/07

O FIO DE OURO

Santa Rita de Cássia


Maria Ana e Paulo Jorge separaram-se ao fim de 10 anos de casados, aparentemente sem dramas, e vá-se lá saber porquê. Sem filhos, inteligência e formação intelectual acima da média, ambos professores no secundário e militantes no Partido Comunista. Como aliás todo o resto da família.

Maria Ana vinha de uma família abastada e acabava de receber mais uma herança que aumentaria ainda mais a fortuna que um dia teria como herdeiros apenas sobrinhos e primos de vários graus.

Foi pouco depois da separação que os sintomas da doença começaram a manifestar-se: rigidez matinal dos membros, inchaço e inflamação das articulações, dificuldade nos movimentos. O diagnóstico não tardou a confirmar-se: artrite reumatóide, doença degenerativa de origem desconhecida, incurável, progressivamente incapacitante, até à cadeira de rodas e à perda de toda a esperança.

Trinta anos depois, o seu corpo tinha-se reduzido a metade e via-se uma parte dos dedos das mãos enclavinhados pela carne dentro e a outra parte revirados para fora numa cruel e dolorosa deformação. Os outros órgãos vitais também foram sendo afectados até que a própria voz se tornou quase inaudível.

Apenas alguns parentes a iam visitar à sua casa enorme onde vivia sozinha entregue aos cuidados de uma enfermeira especializada a quem pagava os preciosos serviços sem qualquer constrangimento financeiro. Maria Ana começou a morrer e o dia a dia tornou-se-lhe insuportável.

Uma vez, fez um esforço ainda maior para se fazer ouvir e com uma réstia de sorriso contou à prima que a visitava mais regularmente, que se lembrava da mãe lhe "pôr a mão na cara" quando era pequena. Na aproximação da morte, um desolado pudor a impedia de exprimir claramente a terna lembrança das carícias maternas. "Marianinha" – perguntou-lhe a prima encostando a boca ao seu ouvido – "queres que eu te ponha a mão na cara?" Maria Ana disse que sim com o mesmo sorriso tímido acenando com a cabeça.

Depois fez menção de querer dizer algo mais e dirigiu à prima uma inesperada e sofrida pergunta: "Sabes rezar o Pai Nosso?" A prima não sabia e, reprimindo qualquer sinal de surpresa, respondeu: "Marianinha, sabes que não sou crente. E tu também não és..." (como quem diz: "o que é que te deu?").

Foi então que Maria Ana formulou uma pergunta ainda mais estranha: "Achas que eu devia oferecer um fio de ouro à Santa Rita?". Desta vez a prima sobressaltou-se: "O quê, Marianinha? Um fio de ouro? Sabes bem que ia logo direitinho para o padre. Olha, se queres dar alguma coisa dá uma vela que faz o mesmo efeito. Mas agora um fio de ouro, nem pensar. Não vais fazer essa asneira".

"Mas tu não achas…" – insistia Maria Ana com teimosia triste, sem conseguir dizer à prima que talvez uma oferenda maior lhe aliviasse aquele tormento e que talvez a Santa Rita… E depois, pensava com angústia, para que precisava ela de um fio de ouro, na hora de morrer? O que era um fio de ouro no meio de tanto dinheiro inútil no banco que agora, mais do que nunca, não lhe serviria para nada?

"Não, nem penses. Ia logo para a padralhada." – respondeu a prima, certa de lhe ter dado a volta e satisfeita por ter trocado o destino daquele fio de ouro.

Dina La-Salette


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