Liberdade já existe. Será? Temos eleições, liberdade de expressão e acção, mas, em contra-partida o direito ao trabalho é cada vez mais desprezado face a novos “valores” emergentes para o progresso, tais como : a deslocalização das empresas, a mobilidade dos trabalhadores, a redução e a perda de conquistas tão caras ao estado providência e que constituíram um património sócio-cultural que nos diferenciava dos “pagãos” e foi suporte da propalada superioridade ocidental.
É óbvio que nem tudo se perdeu e é verdade que a sociedade está em constante mutação. Mas, se não nos cuidarmos, não faltará quem queira – com os melhores propósitos – destruir esse património e acabar de vez com esses “luxos” de que (ainda) gozam os trabalhadores. O código laboral há-de ser cada vez mais o código patronal, a saúde mais cara, a justiça mais inacessível ao cidadão comum, a segurança social, descapitalizada, será substituída pela excelência dos seguros privados, a educação será posicionada para os mais privilegiados, a protecção às crianças mais desfavorecidas e o apoio à terceira idade – um dos problemas mais sérios das sociedades ditas avançadas – cada vez mais incompatíveis com o hedonismo, a fúria do sucesso, o reforço das classes dominantes, a força do dinheiro e a indomável atracção pelo poder. E estas situações, e esta política e esta tendência neo-conservadora limitam a liberdade. Obviamente que este tipo de desabafo é comum, não é perigoso, não faz opinião e não terá eco. Os insatisfeitos “ladram”, mas a caravana passa e os que vão nela cada vez viajam melhor, mais confortados e com mais mordomias.
É um lugar comum dizer-se que há liberdade a mais e responsabilidade a menos. Estou um pouco saturado desses lugares comuns, mas que são óptimos para não dizer nada e potenciar o comodismo e a inércia. É óptima a sua utilização, porque há um grande consenso à sua volta. A responsabilidade não toca a todos por igual : é um erro juntar o governo e a oposição nas críticas à condução do país quando é aquele que governa, e nas empresas os mandantes aos mandados ou entre patrões e servos. Dá jeito dizer mal dos media e perverter o segredo de justiça segundo a agenda do ministério público. Sossega-nos pensar que os hospitais funcionam mal em função de serem públicos e tomar a classe médica como alheia ao seu funcionamento. Confiamos que justiça é cega e que a sua utilização é excessivamente burocrática, cara e morosa e que isso nada tem a ver com o poder dos juízes e o interesse dos advogados. Se devemos preocupar-nos com as escutas à toa, com a desgovernação do país, com as reformas de luxo, com o aumento das rendas e os custos da saúde, a sorte dos infelizes e o sossego dos instalados, temos o direito à denuncia, mas com jeitinho e sem dor. Com liberdade, mas responsabilidade. Não vale se não for assim.
Continuamos a viver numa sociedade profundamente hierarquizada e elitista. As responsabilidades não se podem atribuir a todos por igual. É para mim um erro tremendo tratar os erros e os desvarios com discursos generalistas e bem intencionados – do tipo Jorge Sampaio – mas que não resolvem, não incomodam e deixam tudo como dantes e todos na paz do senhor, salvo os culpados do costume.
Em Portugal há um deficit de talento e um excessivo desperdício na gestão de “improdutividades”. As nossas elites (os bons) são preferencialmente burocratas que viraram vedetas e julgam que basta a criação de uma qualquer Carta Magna da Competitividade e a consolidação orçamental para ficarmos preparados para surfar na crista da onda. Não basta !
E como não basta, há que regressar à ladainha da ordem e quem paga é sempre o elo mais fraco. Os desempregados e a maioria dos trabalhadores (públicos e privados) são tratados como se fossem autênticos “vilões” se ousam defender os seus direitos e reclamar ser tratados de forma justa. Os sindicatos, que lhes dão cobertura, são os maus da fita. Não trabalham, desestabilizam, furam o pacto social e incomodam muita gente. Em função de tanta “maldade”, a liderança tende a tornar-se cada vez mais autoritária. Há em muitas empresas um regresso ao passado com estúpidas restrições aos direitos formais (e informais) no exercício da actividade profissional, só que agora se exercem não a coberto de um governo autoritário, mas em nome da sacrossanta competitividade. E assim vai Portugal. Uns vão (muito) bem, outros (bastante) mal.
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