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01/06/25

A ROLETA

António Mesquita



"Je n'appelle pas penser penser avec des idées, ça ne sert à rien. Ce que j'appelle penser c'est penser sur une impossiblité, c'est-à-dire sur une image. C'est au moment où on ne peut pas supporter une image qu'on est sur le point de comprendre quelque chose. Le scandale de l'esprit est le commencement de la pensée."
(Alain)



O mundo já esteve louco muitas vezes e Stanley Kramer realizou uma comédia sobre isso em 1963.

Antes das eleições que lhe deram a poltrona de onde gosta de mostrar a assinatura dos seus decretos, o milionário que está na Casa Branca dizia que era preciso livrar a América de comunistas, marxistas, fascistas e bandidos de esquerda e agora entrega-se a pôr a economia  global de pernas para o ar, como qualquer maoísta dos bons tempos.

Em 2023, o sultão Al Jaber que é o CEO da Abu Dhabi National Oil Company foi nomeado presidente da COP28, a Conferência do Clima da ONU. Nessa circunstância, começou por dizer: "Aceitei vir a este encontro para ter uma conversa sóbria e madura. Não estou de forma alguma a aderir a nenhuma discussão alarmista. Não há nenhuma ciência, ou nenhum cenário, que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai atingir a meta assumida no Acordo de Paris de 1,5°C". (Pub 041223). É verdade, e se fosse cumprida, decerto não iria chegar.

Nestas tomadas de posição, podemos encontrar duas imagens que vão muito para lá das ideias ou dos preconceitos que elas exprimem. Devíamos estranhar, segundo Alain, isto é, vê-las numa perspectiva diferente da do telejornal ou da conversa de café.

Que o homem do boné vermelho possa ter chegado onde chegou não é uma verdadeira surpresa. Ele cavalga a onda de descontentamento que varre o seu país e nisso é imitado pelo resto dos populistas no mundo. A sua linguagem sem freio, mal educada, pretensamente anti-elitista, é a cartilha de milhões de americanos e da maioria dos eleitores, como se viu. 

...A menos que esses eleitores não queiram saber das palavras fora de tom e fora da verdade para se preocuparem em  obter uma mudança, qualquer que ela seja.

Esta, porém, é apenas uma mais rebuscada explicação. Uma metáfora ajudava a sair do imbróglio. Michael Wood fala-nos sobre   a expressão da poesia chinesa "O Rio Bian Obstruído pelo Gelo»: "a imagem da água a correr «para leste, dia e noite, sob o gelo enquanto ninguém se apercebe" tornou-se uma metáfora que iria ser retratada por toda a literatura chinesa posterior."

O sistema de eleições triunfou em toda a parte, e mesmo os piores ditadores precisam de algum aval. Mas Karl Popper já dizia que ele "não  representa o povo e a opinião deste, mas tão somente a influência que vários partidos (e propaganda partidária) tiveram no eleitorado no dia das eleições. E isso torna mais difícil que o acto eleitoral seja o que podia e deveria ser: um dia em que o povo julga a actividade do governo." 

O optimismo dum Leibnitz dir-nos-ia que tudo está bem se o todo é  bom. O todo já não é o sistema político e económico (como podia ser num tempo de redes e casulos?), mas o Cosmos, isto é, o Todo (seja lá o que isso for) não é um sistema social, nem a religião das religiões, mas  inclui obviamente o humano e "tudo o resto".

O caso é que se é assim, só podemos fazer o que sempre fizemos: "tomar a núvem por Juno" e seguir em frente. É assim que somos "harmónicos". A nossa loucura e os nossos erros são a matéria não só de que os sonhos são feitos, como diria o vate inglês, mas de que a própria lei do universo é feita (sem que tenhamos a mínima noção do que significa).

Já nem se pode dizer que o "degelo do rio Bian" não está à vista e que ninguém se apercebe. Mas assim como os indígenas de África Central, de que falam alguns antropologistas (*), que para o mau olhado recorrem a um especialista que lhes encontra o feitiço certo, grandes e pequenos deste mundo acreditam em MAGAs e Chegas, ou, na muito plausível alternativa, a Roleta.


 "Médecins et sorciers" de Tobie Nathan e Isabelle Stengers

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