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01/11/24

ALEGRE

Mário Martins





As memórias de Manuel Alegre, agora com 88 anos, dadas à estampa este ano, revelam uma personalidade rara, decerto desconhecida, pelo menos parcialmente, do cidadão comum.

É, de facto, surpreendente, a combinação do homem corajoso e de acção política que sempre foi, - na luta contra a ditadura e a guerra colonial (para onde foi destacado, por pressão da Pide), e pagando, por isso, com as perseguições e prisão pela polícia política e o exílio de dez anos, e na defesa da liberdade e do progresso social no regime democrático, sofrendo incompreensões de vária ordem, confundindo, de tal modo, a sua vida com a evolução do país nas últimas seis décadas, - com as facetas de desportista campeão de natação, que também foi, e de amante da caça e da pesca, além do tiro, que ainda será, ou com os dons da oratória incisiva, da poesia e da escrita, e até de uma certa sensibilidade mística que perpassa nas suas memórias.

O livro abre com um episódio trágico: “A 16 de Maio de 1828, os liberais de Aveiro revoltaram-se contra o decreto em que D. Miguel convocava Cortes para se proclamar rei absoluto. A revolução foi dirigida pelo desembargador José Joaquim de Queiroz, avô de Eça de Queiroz. Nela estiveram envolvidos meu trisavô Francisco da Silva Melo Soares de Freitas, futuro visconde do Barreiro, e seu irmão Clemente. Francisco conseguiu escapar para o Brasil após o triunfo das tropas miguelistas. Mas Clemente foi apanhado de armas na mão a defender as linhas liberais. Seria preso, enforcado e decapitado na Praça Nova, no Porto, juntamente com três ilustres aveirenses, enquanto frades e damas miguelistas bebiam cálices de Porto (…) As cabeças cortadas foram transportadas para Ovar, daí para Aveiro e espetadas em paus à frente das casas de família (…)” 

Tenho tentado ser fiel a esta herança, diz Alegre. “Talvez ela ajude a compreender melhor a minha oposição a todos os absolutismos e a todas as formas de ditadura.”

A fechar, após confessar que a vida partidária deixou de o interessar, e considerar que se a experiência socialista falhou, a pergunta permanece sobre a injustiça do capitalismo, Alegre sustenta que para “decifrar a imprevisibilidade de um Mundo virado do avesso, seria preciso uma nova vidência poética. Mas as musas gregas estão feridas. O anjo de Rilke está fechado em Duíno. E o duende de Lorca não aparece nos rebordos dos lábios que sangram (…)”

Mais do que de economistas, este é um tempo que precisa de filósofos, poetas e profetas. Mesmo que a folha branca seja o deserto em que têm de pregar contra o ruído do Mundo – em busca da música perdida.”

Assim falou o poeta…



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