Mário Martins
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“O homem é menos ele quando fala na sua própria pessoa. Se lhe dermos uma máscara, dir-nos-á a verdade”
Oscar Wilde
Lidos 46 dos 76 capítulos da monumental biografia, de mais de 1000 páginas, do grande poeta e escritor do modernismo, Fernando Pessoa (1888-1935), da autoria do escritor, tradutor e crítico literário, americano-português, radicado em Portugal desde 1987, Richard Zenith, o que dizer senão, como defende o biógrafo, que a “vida essencial (de Pessoa) teve lugar na imaginação”?
O seu carácter complexo e fora do cânone, é deveras impressionante, em linha, afinal de contas, com a sua excepcional e inovadora, embora fragmentária, produção literária, seja na arte poética, seja no domínio da prosa.
“Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não” (…) “Com tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou, quando menos, os seus companheiros de espírito?”
O resultado desta singular, para não dizer excêntrica, maneira de ser, foi a criação de dezenas de heterónimos, muitos de vida breve, em que sobressaíram os alter-egos Alberto Caeiro, esse “poeta bucólico, de espécie complicada”, o sensacionista Álvaro de Campos, que pretendia “sentir tudo de todas as maneiras”, e o classicista Ricardo Reis, além do “semi-heterónimo” Bernardo Soares, nas palavras do biógrafo, autor do inacabado e inacabável Livro do Desassossego.
O poeta e escritor explica que (enquanto) “a obra pseudónima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina, a heterónima é do autor fora de sua pessoa, é de uma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personalidade de qualquer drama seu.”
Fernando Pessoa tinha uma grande ideia de si. Via-se como um missionário que almejava, pela via literária e intelectual, tirar o país da decadência, iniciar o movimento de uma nova Renascença a partir de Portugal, e alcançar o Bem da Humanidade, enquanto ambicionava vir a ser o Grande Poeta ou o Super-Camões.
Dominava o inglês, aprendido e praticado nos seus anos de estudo em Durban, na África do Sul, que frequentemente utilizava na sua poesia e prosa, apesar de o biógrafo, nativo da língua, lhe aponte falhas aqui ou ali, e de algumas referências jornalísticas inglesas sublinharem que o seu inglês não deixava de ser o “inglês de um estrangeiro”…
Embora frequentasse assiduamente os cafés de Lisboa, onde se reunia com os amigos, Pessoa era um solitário, pouco dado a manifestações de afecto, misógino, (segundo o biógrafo, terá morrido casto, apesar das suas tendências homoeróticas), somava dívidas a familiares e amigos, sem, todavia, abdicar de vestir elegantemente, era incapaz de levar a bom porto quaisquer projectos concretos, por mínimos que fossem (dissipou, em pouco tempo, uma herança familiar no projecto fracassado de uma pequena tipografia), era um inconstante dotado de uma mente fervilhante, com uma pulsão extraordinária para a escrita (salvo nas crises depressivas que, volta e meia, o incomodavam), escrevendo ao mesmo tempo sobre diversos assuntos sob várias formas e saltando de obras ou projectos literários inacabados para outros que nunca acabaria, ou escrevendo cartas que não chegaria a enviar aos destinatários.
Pessoa foi, de facto, uma personalidade literária e intelectual de excepção. Interessava-se, praticamente, por todas as disciplinas do conhecimento, o qual, para ele, abrangia a interpretação astrológica, a comunicação mediúnica e o ocultismo. Não sendo religioso, reconhecia que “A religião é uma necessidade emocional da humanidade. O racionalista pode não a querer, mas tem de admitir que outras pessoas a queiram.”
Parafraseando a famosa frase que escreveu na véspera da sua morte, “Não sei o que o amanhã trará”, também não sei o que os restantes 30 capítulos trarão.
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