01/07/24
ENTRETENIMENTO
Manuel Joaquim
As festas do Santo António, do S. João e do S. Pedro, com as marchas, as cascatas, os fogos-de-artifício, os martelinhos e o alho-porro (muito pouco) e as tradicionais sardinhas assadas que as pessoas tanto gostam de comer, sejam elas fresquinhas vindas da lota ou dos congeladores, com os lugares de comida a praticarem preços superiores a bifes de lombo, dão grande satisfação e alegrias às pessoas que nestes dias gostam de ser simpáticas.
Para ocupar o tempo e as discussões aí está o futebol, seja do campeonato europeu seja a situação dos clubes.
E para enchermos o peito de ar e nos envaidecer lá para os lados da cantareira, lá vem a nomeação de um português para tão alto posto na União Europeia, apoiado pelos maiorais do País. Lugares sem eleição, escolhidos entre os amigos de ocasião, para servir os interesses de quem realmente ainda manda que é o grande capital.
Os canais de televisão enchem o tempo com programas cada vez mais anestesiantes, e os canais novos com assuntos velhos e rançosos com locutores e comentadores com palavras e ideias ressequidas para manterem o zé pagode adormecido.
Alguns comentadores ditos analistas militares pintam a situação internacional e as guerras como se estas fossem jogos de computador, com contradições que evidenciam que alguém nos está mentir, com visões parciais da realidade e omitindo as causas e as consequências dessas guerras.
Muito dinheiro dos nossos impostos está a ser despejado nalgum lado para a compra de armas e munições para alimentar a guerra para, segundo os nossos políticos de ocasião, conquistar a paz.
Mussolini dizia que o “fascismo antes de tudo no que diz respeito em geral ao futuro e à evolução da humanidade, não crê na possibilidade e na utilização da paz perpétua.” “Somente a guerra pode levar todas as energias humanas à máxima tensão, imprimindo um cunho de nobreza aos povos que têm a virtude enfrentá-la.”
Muitos destes políticos de ocasião, (nacionais e europeus) cujos progenitores familiares e ideológicos foram alimentados nas tetas do fascismo salazarista e nazi, aproveitando-se da própria crise e da instabilidade política procuram atrair as pessoas com promessas demagógicas, procurando afastá-las dos movimentos antifascistas, demonizando-os.
Os rafeiros do patronato e do grande capital trabalham incansavelmente para dividir as pessoas, mascarados disto ou daquilo para distrair das coisas importantes.
Em 20 de Fevereiro de 2023, o jornal Público publicou na primeira página a seguinte afirmação de António Costa “A paz só é possível com a vitória da Ucrânia e a derrota de Rússia”. Página publicada no facebook por Alfredo Barroso, acrescentando que o trio de falcões (os três agora eleitos para a EU) que pretendem esmagar a Rússia à cabeça da EU, não augura nada de bom para a Paz na Europa e no mundo.
OS INARTICULADOS
António Mesquita
("The bikeriders", filme de 2023 de Jeff Nichols)
"De facto, por exemplo, eu creio que o 'heavy metal' ou o 'rock' são a desconstrução de todo o silêncio humano e de todas as esperanças humanas de quietude e de interioridade. Mas se alguém me diz que eles são a voz do futuro, e vive esta convicção sem pretender fazê-lo a partir duma bela casa toda branca com um grande relvado e com a estabilidade do emprego, não há a menor dificuldade."
(George Steiner)
Um filme de motoqueiros dos anos 50, com Marlon Brando, "The WildOne", visto na televisão, inspira Johnny (Tom Hardy) a formar um clube chamado "The Vandals". Benny (Austin Butler), um neófito taciturno, a lembrar James Dean, entra sozinho num bar com o emblema berrante do grupo e é intimado a sair por dois clientes e por eles depois espancado. A vingança do líder foi incendiar o estabelecimento. O sucesso do clube atrai jovens violentos de toda a parte. Johnny dá-se ao luxo de escolher. A entrada duma espécie de gigante é decidida por um duelo de faca entre o pretendente e o líder. Este, vencendo, aceita que o outro, apesar de derrotado, passe a fazer parte dos "The Vandals" com os seus amigos. Benny pergunta para que foi, afinal, o despique. Porque entram, nos meus termos, é a resposta. Mas o desafio da liderança é algo que parece acima das forças e do talento de Johnny. Obedecendo à atracção que o carácter fechado e misterioso do seu amigo mais novo exerce sobre ele, confessa-lhe as suas perplexidades e propõe-lhe a passagem do testemunho. Mas Benny deixa-o sem resposta, com o seu silêncio selvagem.
As consequências da guerra do Vietname vêm trazer um novo alento destrutivo à organização. A violência e o crime passam a fazer parte do dia a dia, deixando para trás a delinquência juvenil dos primeiros tempos. O regresso dos soldados desiludidos e amargos quanto ao futuro do país, leva à perda da aura romântica dos Brandos e Deans.
O novo líder, um rapaz de 20 anos a quem Johnny recusou a entrada no clube, disputa que, mais uma vez, era para ser resolvida à faca, não teve qualquer pejo em aparecer com uma pistola e pôr fim à carreira do chefe dos "The Vandals". Tinhamo-lo visto numa cena anterior a chicotear o velho progenitor que maltratava a mãe. É esta que lhe grita para se ir embora e não voltar mais.
A história de "The Bikeriders" é sugerida pelo livro de fotografias de Danny Lyon's sobre um clube realmente existente com o nome de "Outlaws" de Chicago, lido pela primeira vez em 2003 por Jeff Nichols, o realizador. As várias cenas são ligadas pela narração da namorada de Benny, Kathy (Jodie Comer, excelente actriz, britânica como Tom Hardy). Longe de nos sentirmos exteriores ao espírito do gangue, por ser a narrativa feminina e anti-violência, a intensidade do jogo de Tom Hardy e Austin Butler e dos demais intérpretes faz-nos seguir com apaixonado interesse a vida e a morte do grupo.
Claro que o final do filme com a "entrada na ordem" do anjo rebelde Benny e a cabeça de Kathy encostada no seu ombro não é um "happy-end". A cena, mais uma vez, é sem palavras. E parece que é a fragilidade de Benny, regressado naquele momento a casa, depois da sua desaparição inexplicada, que ali se expõe.
Mais do que a história duma época e duma subcultura - nestes tempos de internet e de redes sociais, seria improvável um fenómeno como "The Vandals" -, as personagens de Johnny e Benny são um interessante paradigma da incapacidade de expressão. Os diálogos com o actor Tom Hardy são mais físicos do que verbais e o gosto pelas máquinas e pela velocidade, que une o punhado de anti-heróis do subúrbio do Mid-West americano talvez seja um exutório para essa falência da palavra.
Numa entrevista, Jeff Nichols realça o significado duma das últimas cenas em que Johnny visita Kathy que vive sozinha desde que Benny "desapareceu na natureza". Johnny não consegue vencer a sua afasia e confessar que tem saudades do mais jovem e que precisa dele porque sente que vai morrer. Kathy dá-lhe a entender que compreendeu o que ele não foi capaz de dizer.
Ainda nessa entrevista, o realizador refere que o sotaque de Johnny não é de Chicago, mas que não se sabe donde vem. O jargão regional, diz, está em vias de desaparecer, porque, graças à tecnologia, todos vemos e ouvimos as mesmas coisas. A cor local é coisa do passado.
É ele ainda que tem esta opinião estranhíssima para um homem de cinema:
"There are some filmmakers that, honestly, I think are brilliant, but I don't watch their stuff because you can tell their worldview is pretty dark, and I don’t want to experience the world that way, because I don’t. "
Tal atitude levar-nos-ia a só ver as obras cujo espírito compartilhamos... Mas compreendo-a como uma dieta temporária para não se ser influenciado no nosso próprio trabalho.
POESIA
Helena Serôdio
SAUDADE
Meu palácio de sonho e encantamentoTombou todo desfeito em derrocadas,Entre névoas e cinzas apagadas,Revolvidas em fúria pelo vento !No abismo sideral do firmamentoRuíram minhas cúpulas douradasDe belas torres de ouro, cinzeladas,Que eu vi desaparecer num só momento!Meu coração sangrento , esfacelado,Abandonei-o em cofre de marfim,Esquecido e em ruínas sepultado:Retirei-lhe o seu manto de brocadoE depois enterrei-o no jardimDos sonhos que ele tinha idealizado!...
VIDA E DESTINO
Mário Martins
https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&sca_
esv=abf976e12d8dcb8e&sca_upv=1&q=vida+e+destino
“Strum compreendia que sem o telefonema de Stálin ninguém no instituto teria louvado o notável trabalho dele (…) No entanto, o telefonema de Stálin não foi uma casualidade, não foi um capricho. Porque Stálin era o Estado, e o Estado não tem caprichos.”
Para quem tem dúvidas sobre o que é a literatura vulgar ou, como agora se diz, literatura light, este livro espantoso do soviético nascido em 1905 numa terra judaica na Ucrânia, Vassili Semyonovich Grossman (pseudónimo de Iosif Solomonovich Grossman), mostra o que é a literatura do mais alto nível.
Entregue ao editor em 1961, já no tempo de Khrushchev que sucedeu a Stálin, a sua publicação foi proibida, dizendo-se até (segundo a Wikipédia) que o ideólogo do partido/regime, Mikhail Suslov, terá informado o escritor que o livro não poderia ser publicado antes de passarem duzentos ou trezentos anos, o que, se revela a inexistência de liberdade de expressão e o carácter férreo e arbitrário da censura, dá verosimilhança aos factos romanceados, já que não os acusa de falsidade.
De acordo com o prefácio assinado por um dos tradutores directamente do russo, Filipe Guerra, o manuscrito só viria a aparecer na Suíça em 1980, pela mão de dissidentes soviéticos, tendo sido então publicado. Na Rússia foi preciso esperar pela glasnost para a publicação do romance em 1988. “A nada disto assistiu já Vassili Grossman, uma vez que faleceu de cancro de rim três anos depois de ter entregado o seu manuscrito e de o ver apreendido pelas autoridades.”
Pode dizer-se, de acordo com a Biografia Breve constante do livro, que há dois Vassili Grossman. O que, a partir de 1935 abandona a química e se torna escritor a tempo inteiro, admitido dois anos depois pela União dos Escritores Soviéticos; o que assiste à prisão de sua prima Nádia, que o ajudara muito nos seus primeiros passos; à prisão, em 1937 (o pior ano das grandes repressões), de dois dos seus melhores amigos, romancistas; à prisão e execução, em 1938, na sua terra natal, do seu tio, que tomara conta dele enquanto estudante do liceu.
Grossman não se manifesta publicamente sobre estes acontecimentos. Pelo contrário, em 1937 subscreve uma carta colectiva publicada na imprensa pedindo a pena de morte para os acusados do grande processo em curso contra dirigentes bolcheviques, entre os quais Bukhárin, enquanto intervém junto de Ejov, chefe da polícia política, para a libertação da sua mulher, ex-esposa de um “inimigo do povo”, o que não evita que o seu primeiro marido seja fuzilado na prisão. Sabe-se, porém, que este género de comportamentos de aceitação de delação, submissão e silêncio se haviam tornado na época um modo de sobrevivência (…)
O “segundo” Vassili Grossman é o que se lança, com outros intelectuais abalados na sua fé soviética pelo terror estalinista, na luta contra a invasão nazi em 1941 e, como ele pensava, por uma Rússia livre. Isento do serviço militar por causa de um início de tuberculose que o afectou, torna-se correspondente de guerra e esteve presente em todos os combates, dando provas de uma coragem exemplar: nos arredores de Moscovo, em Stalinegrado, na Ucrânia, na Polónia, até chegar, em 1945, a Berlim. Foi por esta altura, em 1944, que ele soube da morte de sua mãe, vítima das brigadas nazis de exterminação dos judeus, no momento da ocupação da sua terra natal, em 1941.
Durante a guerra, foi encarregue pelo governo soviético, juntamente com o escritor Iliá Ehremburg, de estabelecer o Livro Negro sobre as perseguições e a eliminação dos judeus soviéticos pelos nazis. Depois da guerra, porém, o Livro Negro é metido na gaveta, e a defesa dos judeus tornou-se perseguição e repressão destes. Também a pessoa de Grossman e a sua obra começaram a ser criticadas na imprensa, o que era muito mau sinal.
A ruptura definitiva de Grossman com o seu sistema de pensamento e com o sistema em geral, data, talvez, do “degelo” após a morte de Stálin, em 1953, em que teria adoptado como norma de vida, nessa época, a frase de Tchékhov segundo a qual “era tempo, para cada um de nós, de nos livrarmos do escravo que trazemos cá dentro”.
Se a luta contra o invasor nazi, com destaque para a longa batalha épica e sangrenta de Stalinegrado (hoje Volgogrado), no Sudoeste da Rússia, é uma narrativa convincente de quem a viveu por dentro, e o drama do envio dos judeus para a câmara de gás pelos nazis, um retrato pungente, a descrição da ausência de liberdade, do sistema de delação, disseminador de um clima de medo, da arbitrariedade das prisões e do envio para os campos de concentração, das execuções sumárias, constitui um autêntico libelo contra o regime soviético e o terror stalinista, em particular.
Mas onde a obra literária se eleva a grande altura é na exposição da trama complexa da psicologia dos indivíduos e das suas relações com os outros e com o Estado, dos seus diferentes caracteres e modos de pensar e agir, em que cada palavra, de tão exacta, parece não admitir modificação.
O leitor que se dispuser a escalar esta exigente obra de quase 800 páginas, chegado ao cume, decerto que experimentará a sensação de melhor conhecer a alma humana.
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