Manuel Joaquim
Todos os dias somos metralhados com notícias que nos incapacitam de as compreender racionalmente. Somos arrastados para as aceitar de forma emocional.
Notícias que me chamaram a atenção são sobre o problema da inflação que não são muito mediatizadas pela sua aparente complexidade, a não ser a “boca” do Primeiro-Ministro de aumentar o salário médio em 20% nos próximos quatro anos. A inflação é um assunto de particular importância para todos os trabalhadores e população em geral, pela desvalorização dos salários reais, pensões e rendimentos e aumento do desemprego.
Nos anos setenta do século passado o problema da inflação era discutido profundamente pelo movimento sindical da época por causa das negociações dos contratos colectivos de trabalho e actualização das respectivas tabelas salariais.
O Sindicato de Seguros do Norte fez assembleias gerais e grandes debates sobre o tema. O Sindicato tinha como consultor económico o Professor Armando de Castro que tinha publicado em 1970, nas Edições 70, o livro “O que é a Inflação – Porque sobem os preços” que esgotou rapidamente. Realizou então uma conferência/debate nas suas instalações na Rua do Breiner, no Porto, com a presença de largas centenas de trabalhadores de seguros que encheram os espaços até à porta da rua que acompanharam os trabalhos pela instalação sonora. O Sindicato deu notícias sobre esta iniciativa a todos os trabalhadores através de um grande comunicado.
As autoridades dos Estados Unidos e da União Europeia andam numa roda-viva para encontrar respostas para evitar a subida da inflação. Na EU decidem deixar de comprar dívida pública aos países e poucas horas depois alteram as suas decisões. Os USA aumentam as taxas de juro com todas as consequências e a EU vai atrás. Christina Lagarde, do BCE, diz que não vê retoma ao fundo da inflação. O que se vê é o dólar a comer o euro e os salários reais a caírem. E não se vê notícias sobre a iminência de intervenção em dois bancos italianos que estão falidos, provavelmente por decoro.
Óscar Afonso, professor da Faculdade de Economia da UP, publicou um artigo muito curioso no Dinheiro Vivo, no passado dia 18 do corrente, com o título “Engane-nos que gostamos” referindo-se à promessa (para não cumprir) do Primeiro-Ministro de aumentar o salário médio em 20% nos próximos quatro anos, que passo a transcrever parcialmente: “Quando as exportações são consecutivamente inferiores às importações, o país vive acima das suas possibilidades, pelo que vai acumulando desequilíbrios - interpretem-se estes desequilíbrios como uma espécie de “lixo”. Tradicionalmente, em Portugal, esses desequilíbrios vão sendo escondidos, “varrendo-se para baixo do tapete”, até que a acumulação por “baixo do tapete” é tão intensa que, na sequência de uma crise internacional; i.e., de uma “ventania”, o “lixo” fica todo descoberto. Foi assim em 1977 e em 1983 na sequência dos denominados choques de alta do petróleo dos anos 70. Voltou a ser assim em 2011 na sequência da crise financeira de 2008.
Na posse do instrumento taxa de câmbio, em 1977 e 1983, a competitividade da economia portuguesa foi reposta com a desvalorização da moeda. Sem instrumento taxa de câmbio e sem capacidade do país para melhorar a produtividade, em 2011, a competitividade da economia portuguesa foi restituída com a diminuição dos salários.
De acordo com a Pordata , as exportações suplantaram as importações entre 2012 e 2019, retomando, posteriormente, o indesejado contexto de exportações bastante inferiores às importações. Ou seja, retornámos à trajetória de acumulação de desequilíbrios (“lixo”) acentuados, com o país a viver de novo acima das possibilidades.”
É interessante verificar que crises anteriores foram ultrapassadas com política monetária, isto é, com a desvalorização do escudo (antes de entrada do euro). A última crise foi ultrapassada com a desvalorização salarial, os cortes em subsídios e pensões, no aumento do desemprego.
Durante o último governo, conhecido por “geringonça”, uma parte da crise foi ultrapassada pelo aumento dos rendimentos dos trabalhadores e pensionistas que levaram a um aumento do consumo interno com efeitos directos na economia.
Perante o quadro económico em desenvolvimento o problema do euro vai colocar-se novamente.
Para o rumo traçado, os patrões do António Costa já vieram avisar “não ao aumento dos salários e pensões” sob pena de ser despedido. E a inflação em Portugal no mês de Junho já chegou aos 8,7%.
Os “inteligentes” destas coisas fazem conferências, seminários, publicam trabalhos mas as ideias que defendem são a maior parte das vezes contraditórias. Não têm soluções para o problema. Alguns pretendem desculpar-se com o prolema da guerra. Mas quem estiver atento verifica que a inflação tem crescido nos mercados de produtos e matérias-primas muito antes da guerra. Que políticas foram adoptadas nos últimos anos? Qual é o crescimento da oferta de dinheiro nos USA e EU? Segundo a ONU em Fevereiro de 2022 o índice de preços dos alimentos era 50% maior do que em Maio de 2020; no mesmo período, duplicou o índice composto de matérias-primas. Que consequências tem a política energética da EU? O preço da energia aumentou antes de 2022. Os fertilizantes aumentaram mais de 70% entre Fevereiro de 2021 e Fevereiro de 2022.
A solução será cortar salários, pensões, rendimentos ou encontrar novas políticas que respondam aos problemas dos mais carenciados?
1 comentário:
Meu caro Manuel Joaquim,
Estou plenamente de acordo com o seu artigo. Sem dúvida, estamos a coabitar alegremente com a mentira.
A transparência é moldada em função dos objetivos do momento, onde o individualismo impera sobre o interesse social.
Um abraço
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