Manuel Joaquim
Uma menina nascida numa aldeia, educada pelos pais e avós, vivendo da agricultura e da produção de vinho, num ambiente saudável, frequentou escolas até entrar na universidade para estudar Matemática.
Aí, deparou-se com as lutas
estudantis em crescendo, começou a participar nas reuniões de estudantes e mais
tarde nas RIAS, reuniões interassociações, ao princípio para contestar
legislação repressiva sobre a organização dos estudantes e escolas, depois a
política do regime.
As lutas, a repressão policial, a
resistência, foram experiências que transformaram a rapariguinha numa jovem com
preocupações socais e políticas, num tempo em que as universidades tinham
poucas raparigas.
Foi nessas andanças que encontrou
o seu amado, estudante como ela e que escrevia para um jornal republicano, com
quem casou.
A vida de ambos não foi fácil.
Ele, já militante político, perante a repressão cada vez mais acesa, refugiou-se
no estrangeiro. Ela seguiu-lhe os passos, abandonando os estudos e o apoio da família.
Sozinha, sem experiência, foi de comboio. Teve como companheiros de viagem
emigrantes que procuravam no estrangeiro melhores condições de vida. Ela, bem vestida,
eles, gente de trabalho, com cestas e garrafões, ocupando todos os espaços do
comboio. Os primeiros contactos não foram muito simpáticos. Entretanto, com a
oferta de petiscos e bebida e palavras simpáticas o ambiente alterou-se.
Cigarros e conversa no fundo da carruagem
entre ela e um daqueles homens, muito preocupado com a aproximação da fronteira,
vieram a descobrir que os caminhos de ambos não eram desconhecidos. Ele era
mais um refugiado político que chegou a conhecer o companheiro dela.
Quando chegaram à estação de
destino lá se abraçaram todos.
A nova vida na nova cidade não
foi fácil. Limpezas em casas particulares e apanhar alfinetes num atelier de
costura foram trabalhos que permitiram obter rendimentos.
Tarefas políticas foram
desempenhadas organizadamente. Recolhas de assinaturas de intelectuais para abaixo
assinados a denunciar o regime e as prisões políticas, visitas a outros países
para participar em reuniões e eventos internacionais aconteceram.
Entretanto, o seu companheiro
adoeceu gravemente sem possibilidades de recuperação. Pretendeu regressar ao
seu país, para casa de seus pais, mas a polícia política só permitiu com a
condição de ter uma declaração médica em como estava no final de vida. Sem ele
ter conhecimento, ela conseguiu essa declaração e, nessa condição regressou a
casa dos pais. Veio a falecer no prazo que tinha sido previsto.
A jovem voltou ao país. Depois de
várias dificuldades, restabeleceu as suas relações, o que a levou a ser presa
pela polícia política, sofrendo provocações e torturas do sono durante vários
dias. Ao fim de alguns meses foi solta sem julgamento.
Terminou o seu curso de
Matemática, mas para conseguir colocação no ensino foi um grande problema. Conseguiu
colocação numa escola por decisão do respectivo director que até era
situacionista.
Entretanto reconstituiu família. Com
um professor que era das suas relações antigas das actividades sociais e
políticas, com experiência de repressão e prisões.
A sua actividade política não
terminou. A participar nos processos eleitorais, na formação de organizações de
mulheres, na luta pelo derrube do regime ditatorial que existia no país. O que
veio a acontecer. O regime foi derrubado por um golpe militar que se
transformou numa revolução.
Participou na formação de sindicatos
dos professores, continuou a dar aulas de Matemática, a publicar livros sobre o
ensino da Matemática, a fazer conferências sobre a sua experiência de vida.
Hoje, com mais de oitenta anos de
vida, pelo que diz e pelo que escreve é uma MULHER exemplar.
Bem-haja.
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