01/10/21
ASSIM VAMOS
(HENRIQUE MONTEIRO Cartonista, Lisboa)
Realizaram-se no passado
fim-de-semana as eleições autárquicas, depois de tantas ofertas de dinheiro
para as autarquias, através de armas de guerra, bazucas ou metralhadoras,
seguros de saúde gratuitos para as pessoas na velhice carecidas de médicos de família,
transportes públicos gratuitos para os jovens e para as pessoas na terceira idade,
casas de renda acessível para quem não pode pagar, diminuição do IRS,
dinamização do comércio em virtude dos centros urbanos estarem abandonados,
resolução de quase todos os problemas que afectam as pessoas, e depois de uma
campanha da dita comunicação social a despejar sondagens a todo o momento, cada
qual a melhor, que levou alguém a dizer que “eram uma vigarice”, alguns
resultados foram surpreendentes.
Alguns gritam a plenos pulmões
que saíram vitoriosos. Outros assumem derrotas. A seu tempo vamos assistir a
situações curiosas. A contagem de votos e respectivas percentagens mostram que
alguns vitoriosos estão em minoria, tanto nos respectivos órgãos como no apoio
da respectiva população.
Vemos, ouvimos e lemos que a
situação de Portugal é muito boa, o programa de vacinação é o melhor do mundo
e, a pretexto disso, mas é só pretexto, pretendem sanear um almirante para
colocar o outro das vacinas como reconhecimento. O que me parece é que o poder
político está a utilizar pessoas fardadas como produtos descartáveis e isso é
muito perturbador. E a procissão ainda vai no adro. A economia está em
aceleração; o desemprego diminui a olhos vistos, a inflação está sob controlo.
A economia não está conforme nos
pintam. A bazuca, o Plano de Recuperação e Resiliência, não vai resolver os
problemas existentes. A economia portuguesa tem nos últimos vinte anos a mais
baixa taxa de crescimento da EU, uma média de 0,8%. Foi privatizado quase tudo,
bancos, seguros, empresas industriais, transportes, energia, telecomunicações,
resíduos, serviços camarários, agravaram as leis laborais, congelaram salários,
privatizaram uma parte substancial da saúde e do ensino. Era este o caminho
para Portugal crescer, defendido pelas classes dominantes, mas tal não aconteceu.
A galinha dos ovos de ouro estava
no turismo e nas remessas dos emigrantes. Estas satisfizeram durante alguns
anos, particularmente no tempo do fascismo, mas hoje não têm o mesmo peso. O
turismo é o que se sabe.
O desemprego está encoberto, e o
emprego que existe é precário e sem fim à vista, os preços dos bens de consumo
estão a disparar, e de todos os restantes bens, o aumento dos preços da energia
é assustador, para a indústria, para o comércio e serviços e para o consumo
doméstico, mas estamos aliviados com as palavras do ministro do ambiente que
diz que “ a electricidade provavelmente já não vai subir em 2022”(?).
Se não forem tomados outros caminhos Portugal continuará a definhar, para desgraça dos portugueses.
Em 7 de Maio de 2021 realizou-se
no Porto, com grande pompa, a Cimeira Social do Porto, da responsabilidade da
Presidência Portuguesa do Conselho da Europa. Teve uma agenda particularmente
importante, assumindo o “Compromisso Social do Porto”, estabelecendo metas: -“
Taxa de emprego de pelo menos 78% da população da EU; - Pelo menos 60% dos
adultos devem participar anualmente em formação; - Redução do número de pessoas
em risco de exclusão social ou de pobreza em pelo menos 15 milhões de pessoas,
entre as quais 5 milhões de crianças”.
Como é possível a União Europeia,
constituída pelos países mais ricos do planeta, o primeiro mundo, não ter
vergonha de pretender reduzir até 2030 o número de pobres e entre eles 5
milhões de crianças? Quantos pobres existem, quantas crianças estão na situação
de carência?
Cimeiras anteriores já tinham
tomado decisões neste sentido. O que fizeram? Nada! Os jornais e as Televisões não
dizem nada.
As campanhas contra a Republica
Popular da China tem, também, a ver com isto. É que a luta contra a pobreza na
China tem resultados de acordo com os objectivos traçados. Em cada plano são
retirados da pobreza dezenas de milhões de pessoas. Tomar conhecimento sobre o que
se passa na China, particularmente no campo, onde as situações de maior
carência se manifestam, designadamente com a saúde, habitação, educação e
economia é revelador dos caminhos políticos seguidos.
Realizou-se há poucos dias a
Assembleia Geral das Nações Unidas com muitas intervenções de dirigentes
mundiais. O Secretário-geral, que conhecemos, alertou para os perigos da
guerra. E teve razão. Mas podia alertar para muitas mais coisas mas, por interesse,
omitiu-as. Teve a oportunidade de falar sobre o Brasil, pois esteve o próprio
Bolsonaro. Não é o problema das vacinas, mas é o problema de mais de 100.000
crianças órfãos e mais de 6.000 militares colocados no aparelho de estado. Já
houve golpe de estado? Sérgio Trefaut, realizador do filme "Paraíso", publicou um
artigo muito elucidativo sobre a situação no Brasil, no jornal Público, de 20
de Setembro passado.
Com o falecimento do Presidente
Jorge Sampaio, soube-se que o Secretário-geral, em determinada cerimónia onde
estava com Jorge Sampaio, evitou cumprimentar Fidel Castro. Provavelmente por
interesse, para não se comprometer e não criar dificuldades a quem o colocou a Secretário-geral,
com a graça jesuítica.
Mas o que ele está a observar e a
preocupá-lo são as contradições imperialistas que estão em pleno
desenvolvimento. É a China, é a Rússia, é a Bielorrússia, é o Afeganistão, é a
Coreia, é a América do Sul, são as contradições dentro da União Europeia com a
tentativa de formação de novas organizações militares, com órgãos em luta com acções
em tribunal com o pedido de expulsão de Hungria, é a situação interna nos
Estados Unidos.
É a França a pedir para não se confiar nos
Estados Unidos, a dizer “que lhe espetaram uma faca nas costas.” Os EUA, a
Inglaterra e Austrália estabeleceram mais uma organização militar, anunciada em
15 de Setembro de 2021. A França perdeu um negócio chorudo de venda de
submarinos. Esqueceram-se que tinham feito o mesmo com a Rússia quando
rescindiram um contrato de fornecimento de dois porta-helicópteros.
Vamos continuar a acompanhar a
situação no mundo como faz o Guterres.
NO CORRER DOS DIAS
Chegaram os ventos frios, pela tarde, de mansinho. Brincam pelas ruas, intrometem-se pelos parques e jardins, abanam os ramos e arrancam as folhas que até há pouco brilhavam de verde, viçosas, rodeadas de cores. Agora despedem-se umas das outras conforme vão encolhendo entre amarelos e castanhos. Por fim, desprendem-se e deixam-se ir entre as manchas do vento. É o tempo da transição entre a alegria do Verão e a tristeza rude do Inverno. Na natureza como na humanidade é o adormecimento de uma época de sonhos felizes, de viagens, de repousos, enquanto se aguarda pelos ventos fortes e áridos soprados com energia, das chuvas intensas, caudalosas, devastadoras. Assim caminha também o ser humano e a humanidade. A vida humana sempre evolui em crescendo, desde a infância curiosa à primavera da adolescência em que acreditamos na imortalidade de um tempo sem limites. O ritmo trepidante do Verão vivêmo-lo na euforia de adultos até que o Outono se vai introduzindo na memória, nos gestos, nos pensamentos, abarcando tudo de melancolia, de recordações do tempo vivido e em que tudo se assemelha à natureza, abanando ramos e soltando folhas que se perdem no correr dos dias e as reflexões enchem-se de lugares e outonos noutros territórios e épocas. Na fluidez dos dias, chegam essas lembranças de outrora e no Outono as imagens que vemos falam-nos de primaveras, de alvoreceres de luz, radiando sorrisos, esperanças e futuro, mas quando deixamos os olhos perdidos na longitude da terra, percebemos que as imagens são de longos outonos. Os cadáveres voltaram a ser pendurados em exposição em Herat, a pérola de Khorasan, qual ironia das palavras que dizem que khorasan significa de onde vem o sol, mas na verdade nestas semanas a nossa grande estrela está no ocaso tombando na cidade onde reina a magnífica grande mesquita. O império fugiu em confusão apressada das montanhas pedregosas e estéreis por onde cavalgou Alexandre. É a segunda fuga em meio século. Roma demorou cem anos a sucumbir à sua própria implosão. O novo império talvez demore menos que os tempos são mais apressados. Roma ainda deixou ruínas da sua grandeza, mas o império que nos vergasta deixa-nos apenas pilhas de cadáveres, por todos os lugares onde passam as suas hordas armadas. Nesta debandada, matou até ao último dia. Abandonada às mãos dos bárbaros esfarrapados a mesquita azul, com os seus azulejos rendilhados e as suas cúpulas luminosas, de Mazar i Sharif, o túmulo do magnífico, parece sucumbir na mágoa da época que vive. Por todo o lado reina um grande período outonal. Grávidos os rios transbordam a Norte da Europa e reclamam leitos roubados. Chamas devoradoras explodem em sobressaltos incandescentes nas margens mediterrânicas e escorrem em rios de fogo nas ilhas atlânticas. Ardem as florestas siberianas, derretem-se gelos eternos e no Alasca canadiano as temperaturas brilham em números assustadores. As sementes morrem na terra e as colheitas que poderiam amenizar as fomes, falecem em partos prematuros. A avidez e a ganância, de uma minoria obscena, cultivadas e alimentadas pelas armadas do império, mergulham a humanidade num Outono sombrio e atemorizador. Acabou-se o nosso tempo, dizem-nos os que estudam os movimentos que nos cercam. Vivemos um Outono apressado, sem melancolia, mas com muita e pesada amargura enquanto o saque da minoria prossegue como se um Inverno medonho e telúrico não nos estivesse a bater à porta. Um ser invisível invadiu-nos a vida e acossados, escondemo-nos, tapamo-nos. Disfarçados de clandestinos, afastamo-nos de tudo. O medo paira sobre a vida. Quando percorremos as ruas nestes dias tristes e sem destino, sentimos a angústia do que deixamos, do que perdemos e já não há “homens que morriam por qualquer coisa que amavam”. Já não é apenas mais um Outono, mas antes a humanidade a caminhar sem rede sobre o último dos Outonos, em viagem para um Inverno que ninguém conhece. A vida humana numa tempestade oceânica, sem bússola e sem rumo.
GERTRUD
NOTAS POLÍTICAS PARA A "RENTRÉE"
Mário Martins
Os regimes ditatoriais ou
autoritários vêm levando a cabo, nos últimos tempos, uma ofensiva ideológica, à
boleia da pandemia e das graves comoções políticas estado-unidenses, propagandeando
uma suposta maior eficácia do que a da “serôdia” democracia representativa. É
admissível que regimes de poder concentrado sejam mais eficazes em situações de
emergência, embora, em sentido contrário, meio mundo desconfie da prontidão da
resposta chinesa ao aparecimento do novo vírus e da abertura do regime à
investigação da sua origem, e, por outro lado, se verifique nos regimes
democráticos a tomada de medidas de emergência de duvidosa cobertura legal ou
constitucional. Em todo o caso, uma alegada superior eficácia em situações extraordinárias,
embora teoricamente possível, visa justificar uma permanente concentração do
poder, não sufragada pelo voto popular em condições de liberdade.
Com efeito, enquanto a democracia
representativa é legitimada pelo voto popular em liberdade, a ditadura precisa
de recorrer a grandes ideias, como a de nação ou a do fim da exploração do
homem pelo homem, para “legitimar” o poder de um pequeno grupo sobre a
população. Aceitar, em situação normal, o poder, por tempo indeterminado, de
uma escassa minoria de pessoas sobre todas as demais, é, na prática,
equivalente à aceitação, no passado, da “origem divina” do poder real absoluto,
ou, no presente, do governo pela lei islâmica.
Entre a democracia e a ditadura, tipificadas
por países como o Reino Unido e a China, existe uma espécie de regime equívoco,
a que se vem chamando autoritário, como é o caso da Rússia, em que há partidos
políticos e eleições, mas em que a liberdade e a independência judicial são, no
mínimo, “musculadas” (volta e meia os opositores de Putin são presos), e
as emendas constitucionais visam a conservação do poder. Donde, o primeiro
requisito para um regime ser considerado democrático é o da liberdade e não o
da realização periódica de eleições. Sem liberdade estas tornam-se uma farsa,
como era, aliás, o caso de Portugal no tempo do Estado Novo.
Portugal é uma democracia
representativa. Há liberdade, partidos políticos, eleições periódicas,
limitação de mandatos, independência judicial. Tudo isso salvaguardando, é
claro, a distância, maior ou menor, entre os princípios formais e as realidades
factuais, cá como em toda a parte, ditaduras incluídas. No entanto, há já
muitos anos que estão diagnosticados alguns males dessa representação. Um deles,
e não certamente o menor, reside no desmesurado papel dos partidos políticos,
muito evidente nas eleições legislativas. Formalmente, o povo elege os
deputados, mas realmente, o que lhe é dado a escolher, no boletim de voto, são
os partidos políticos, cujos chefes escolheram ou validaram as respectivas
listas de deputados, e a quem estes, de facto, devem obediência. Os eleitores
não têm qualquer possibilidade de vetar este ou aquele candidato a deputado ou,
sequer, de alterar a ordem em que são apresentados.
Outra deficiência é a falta de um
adequado controlo democrático dos grupos económico-financeiros que, em
Portugal, como se sabe, estão tradicionalmente muito encostados ao Estado. De
facto, as eleições circunscrevem-se aos órgãos do Estado: Presidente da
República, Assembleia da República e Autarquias Locais, não interferindo na
constituição do Governo e dos Tribunais e, muito menos, na administração das
empresas, que corporizam a liberdade económica, a qual, ideologicamente, faz
parte, hoje, dos requisitos para o reconhecimento de uma democracia
representativa. Quando, como no caso português, os órgãos do Estado,
legitimados pelo povo, não exercem, por incúria, complacência, ou má-fé, o seu
papel regulamentador e fiscalizador da área económico-financeira, ficam
reunidas as condições para o surgimento dos “donos disto tudo”. Nas ditaduras, a
realidade oscila entre uma economia estatizada e uma economia de mercado, passando
pela particularidade chinesa de uma economia mista, sob a direcção, em todos os
casos, dos respectivos partidos dirigentes.
Em Portugal e, certamente, em
maior ou menor grau, lá fora, há um “eles”, os políticos e, em geral, os que
mandam, e um “nós”, o povo. Subjacente a esta diferenciação, tão alimentada
pelo ditador Salazar: "Se soubesses o que custa mandar, preferias
obedecer toda a vida", está a ideia de que “eles” estão no poder para dele
tirarem proveito, e que “nós”, somos um “poço de virtude”. Sem perder de vista
a especial responsabilidade das chamadas elites na condução dos negócios do
país, a realidade é que o nosso comportamento cívico deixa muito a desejar,
seja no capítulo do respeito pelo outro, seja na defesa do bem público.
Não se devem, pois, esperar grandes
progressos na superação destas “entorses” democráticas, para não falar dos
abusivos regimes ditatoriais ou autoritários que só acabam por apodrecimento ou
pelo cano da espingarda. Não há sinais de que os partidos queiram abrir mão do
seu poder sobre os deputados. A costumada ligação informal ao Estado Português
dos grupos económico-financeiros, deverá manter-se apesar dos sobressaltos
judiciais do momento. A nível internacional, a grave crise financeira ocidental
de 2008/2009, que tanto sangrou os erários públicos, não conduziu à abolição dos
paraísos fiscais. E a atitude “de condómino” (que entrega a gestão do
condomínio em que vive a uma administração profissional, para tratar da sua
“vidinha”) da maioria da população face à política, dando-lhe margem para
entoar “cantigas de escárnio e mal dizer”, está para durar.