“Só 37% rejeitam líder político autoritário”Estudo Gulbenkian sobre os valores dos portuguesesExpresso 2021-06-11
O título de primeira página do conceituado semanário é bombástico. O estudo patrocinado pela prestigiada Fundação Gulbenkian e levado a cabo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, baseado em entrevistas efectuadas entre Janeiro e Março do ano passado, conclui que um pouco mais de 6 em cada 10 portugueses não considera mau ou muito mau ter um líder forte que não se preocupa com parlamento ou eleições. Há 20 anos a mesma questão dividia ao meio a opinião dos portugueses. No entanto, lendo, nas páginas interiores, o artigo jornalístico, ficamos a saber que, ao mesmo tempo, quase 9 em cada 10 dos inquiridos afirmam que ter um sistema político democrático é uma maneira boa ou mesmo muito boa de governar o país. Donde, um título mais consentâneo com as conclusões do estudo e menos sensacionalista seria “Só 37% dos portugueses rejeitam líder político autoritário, mas quase 90% apoiam um sistema político democrático”.
Como interpretar esta contradição? Para Pedro Magalhães, um dos autores do estudo, “quando perguntamos se as pessoas preferem uma democracia, o que elas projectam nesse conceito é muito variado. Em toda a Europa, enquanto muitas pessoas identificam a democracia com direitos políticos, liberdades cívicas, etc., muitas também a identificam com igualdade económica, outras identificam com a ausência de pobreza e outras até, por exemplo, com a manutenção da ordem e a baixa criminalidade. A democracia tornou-se um termo de sentido inequivocamente positivo para a esmagadora maioria das pessoas mas cujo conteúdo varia muito. E só isso explica que uma parte importante das pessoas possa dizer que quer viver em democracia e, ao mesmo tempo, que não era mau se houvesse um líder forte que acabasse com o parlamento e as eleições”.
A não rejeição pela maioria dos portugueses de um líder autoritário coloca Portugal, estatisticamente, fora do mundo ocidental europeu e, como é costume, muito longe das altas taxas de rejeição dos países nórdicos. A vizinha Espanha que, como Portugal, conheceu uma longa ditadura, atinge uma taxa de rejeição à volta dos 65%. A Itália ultrapassa um pouco os 60%, enquanto a França e a Alemanha rondam os 70%. Contrastantes com a prática das actuais lideranças russa e húngara são as percentagens de rejeição, de cerca de 60% na Rússia e de 70% na Hungria. A Polónia e a Albânia são, dos antigos países socialistas, os que detêm maiores taxas de rejeição, acima dos 70%.
Dois outros factores poderão concorrer para esta aceitação pela maioria dos portugueses de um autocrata: o errático exercício da autoridade democrática e aquilo que o colunista e comentador Daniel Oliveira classifica de fascínio por homens providenciais.
O que nos trará,
no futuro, esta confusão de ideias?
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