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01/03/21

ALEXANDRE

Mário Martins 

https://www.wook.pt/livro/o-jovem-persa-mary-renault/11236896


“Se alguém tem o direito de ser avaliado em função dos padrões do seu tempo, esse alguém é Alexandre.” 

                                                                                                                         Herman Bengdson                                                                                                                “Os Gregos e os Persas” 

“Quanto aos seus erros (aqueles cujo seu tempo não registava como virtudes) foram considerados, defrontando-nos com o facto de nenhum outro ser humano ter sido alvo de uma devoção tão intensa durante a sua vida, por parte de tantos homens.”

    Mary Renault    

“O Jovem Persa”


O mínimo que se pode dizer desta trilogia sobre Alexandre, o Grande, Rei da Macedónia há cerca de 2350 anos, mais conhecido entre nós por Alexandre Magno, da autoria da inglesa Mary Renault (pseudónimo literário de Eileen Mary Challans), publicada entre 1969 e 1981,  é que se trata de uma obra de grande fôlego.

Logo no princípio a autora avisa que “Todos os registos da vida de Alexandre escritos pelos seus contemporâneos desapareceram. Dependemos de histórias compiladas três ou quatro séculos mais tarde a partir desses documentos perdidos, que por vezes dão as suas referências, outras vezes não.”

Esta dificuldade historiográfica, que tanto complica a vida dos historiadores e coloca decididamente a obra no género romance biográfico, apenas incomodava uma escritora com a grandeza de Marguerite Yourcenar quando associavam o adjectivo apócrifas às suas famosas “Memórias de Adriano”, já que, sustentava, “apócrifo deve chamar-se apenas àquilo que é falso e quer passar por verdadeiro”, e rematava: “este adjectivo impróprio (antes falassem de “Memórias imaginárias”) prova a que ponto o crítico e o público estão pouco habituados à reconstituição apaixonada, minuciosa e livre de um momento ou de um homem do passado.” (in O Tempo, Esse Grande Escultor” - 1972). Nada de mais se, afinal de contas, no dizer de Mário Cláudio, “toda a biografia é um romance”.

O jovem persa não é ele mas Bagoas, o eunuco favorito do derrotado Rei da Pérsia, Dario III, depois oferecido ao vencedor Alexandre, que mantém relações íntimas com o rei macedónio “numa sociedade que aceitava a bissexualidade como norma”. A autora refere, a propósito, a continência em todos os aspectos de Alexandre, destacando “a sua recusa em explorar vítimas indefesas como mulheres cativas ou jovens escravos, prática que nessa altura era universal.” Quem sabe, talvez essa relação tenha contribuído para Alexandre se tornar, para escândalo de muitos companheiros, o mais persa dos reis macedónicos, tal como Adriano seria, umas centúrias mais tarde, o mais grego dos imperadores romanos.

Investido rei aos 20 anos, devido ao assassínio de seu pai Filipe II, ficou para a História a aura de general brilhante e de fundador de um dos maiores impérios mundiais, que se estendia ao Egipto e à Índia. Alexandre combinava a sua sede de glória e de conhecimento de mundos, o seu carácter a um tempo irado e compassivo, com uma austeridade comportamental talvez só perturbada na última fase da sua curta vida (morreu aos 32 anos, de uma febre dos pântanos ou, segundo alguns, de envenenamento) pelo esplendor dos hábitos persas. Terá sido o lado compassivo de Alexandre e a sua inclinação persa que levou “Sisigambis, a Rainha-Mãe da Pérsia, ao ser informada da sua morte, a despedir-se da família, fechar-se sem comer e morrer cinco dias mais tarde.”

Mau grado a educação recebida por Alexandre de um preceptor tão famoso como Aristóteles, a autora chama a atenção para que “deveremos ter presente que apenas um século depois, alguns filósofos lançaram a questão sobre a moralidade da guerra. No seu tempo a questão não era se mas sim como se fazia.” Isto explicará o estado de guerra praticamente permanente da sociedade macedónica e tornará, eventualmente, menos chocante o costume, horrível para os padrões de hoje, de os jovens nobres, aqui personificados por Alexandre aos doze anos, reclamarem o estatuto de guerreiros exibindo a cabeça do primeiro homem que matassem em combate.

Na obra, para lá do cortejo de intrigas e assassinatos, da constante luta pelo poder, do recurso ao trabalho escravo, do uso dos haréns de mulheres e eunucos, do desdém pelos bárbaros estrangeiros, dos sacrifícios aos deuses, realidades que não constituem, como bem sabemos, um exclusivo da sociedade macedónica de então, ressalta o facto de, em última análise, o poder político residir - longe que estavam, naturalmente, do conceito de soberania popular - mais do que na respeitada tradição real, no exército que o rei aclamado nas suas assembleias teria que saber cuidar. Esse foi o segredo do sucesso do reinado de Alexandre, o de ser um combatente destemido que não se furtava às privações dos homens que comandava, que lhe granjeou o respeito e a obediência dos soldados, apenas uma vez negados quando, já na longínqua Índia, exaustos e saudosos das suas famílias depois de uma tão longa jornada, se negaram a ir mais além em busca do “Oceano Circundante”.

Por fim, como sucede a todos os impérios, a decadência, talvez precipitada pelo facto de Alexandre não ter preparado a sua sucessão. A frase que terá proferido no seu leito de morte “Prevejo grandes competições nos meus jogos funerários.”, anuncia o que, de facto, se seguiu.

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