Mário Martins
Nada como o tempo de verão, em que as altas temperaturas, certas vezes, zumbem nos ouvidos e o corpo mais se aproxima do estado natural, para regressar ao universo poético de Sophia:
“Os dias de verão vastos como um reino/Cintilantes de areia e maré lisa/Os quartos apuram seu fresco de penumbra/Irmão do lírio e da concha é nosso corpo/Tempo é de repouso e festa/O instante é completo como um fruto/Irmão do universo é nosso corpo/O destino torna-se próximo e legível/Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros/Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem/Como se em tudo aflorasse eternidade/Justa é a forma do nosso corpo.” (Os dias de verão-Dual)
“Largos longos doces horizontes/A desdobrada luz ao fim da tarde/Um ar de praia nas ruas da cidade/Secreto sabor a rosa e nardo arde.” (Princípio de verão-Obra poética III)
“Luminosos os dias abolidos/Quando o meio-dia inclinava a sombra das colunas/E o azul do céu tomava em si a terra/Apaziguada no murmúrio/Das folhagens e dos deuses.” (Luminosos os dias-Coral)
“Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado. O sol é pesado e a luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita. Mergulho a mão na sombra como se a mergulhasse na água (…)” (Arte poética I)
“Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze (…) Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco de cal onde a luz cai a direito (…) Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes (…) Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade (…) Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada. Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.” (Caminho da manhã-Livro Sexto)
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