António Mesquita
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"Akhnilo", um conto de James Salter incluído na selecção intitulada "A última noite" editada pela Livros do Brasil é a história de uma epifania. Tudo é estranho e tudo poderia parecer um sonho, mas ficamos agarrados à busca nocturna de Eddie Fenn como se fosse urgente e como, mais do que um sonho, o enigma por resolver fosse uma questão de vida ou de morte.
Já passava das 3 da manhã, quando Eddie foi atraído por um som estranhíssimo que o levou a levantar-se sem acordar a mulher, e a escorregar do telhado do alpendre, por baixo da sua janela, para a rua. "Estava a entrar numa noite de redes incontáveis, de olhos irrequietos." Continuou por alguns metros em direcção do que lhe pareceu a origem do fenómeno que à medida que se aproximava lhe parecia mais uma voz misteriosa repetindo quatro palavras irreconhecíveis que se foi sumindo quanto mais chegava junto da fonte emissora.
Decidiu voltar para casa tentando recordar essas palavras que não pertenciam a nenhuma língua que ele conhecesse. Já de volta encontrou a esposa que se levantara preocupada e queria saber o que se passava. E. não lhe pôde responder no sentimento que qualquer distracção lhe faria perder as palavras. De tal modo, que todas elas se esvaíram com excepção da última que se pronunciava "Akhnilo".
Não conhecemos o desenvolvimento dessa experiência, nem como a família e a comunidade reagiram ao transe de Eddie. Provavelmente foi tratado como um caso de loucura temporária, a não merecer mais cuidados. Para Eddie, podemos conjecturar que nada mais foi igual na sua vida.
O autor não nos dá qualquer indicação sobre o significado da única palavra retida. É fácil especular sobre certas conotações como Ak poder ser a abreviatura de All Knowing e nilo ter a ver com o nihil latino para nada.
O importante é a ideia que o conto trasmite de que o nosso mundo, o mundo de todos nós não nos dá um significado para a sua existência, a simples continuação não tem sentido. Nem é uma questão das coisas e dos sentimentos que despertam em nós, assim como as pessoas serem apenas aparências. Não sabemos se qualquer coisa como a verdade está por detrás delas e precisa de ser descoberta.
Eddie sempre achou que a frustração pessoal, a sensação de ficar aquém das suas possibilidades era uma ideia romântica. Esse romantismo tinha, por outro lado o efeito de trazer urgência à sua vida. Ele costumava dizer que "Nada está em segurança por mais de uma hora."
Depois de ler a colectânea de Salter, deparei-me (em "Os Inovadores" de Walter Isaacson) com o relato duma personagem completamente diferente, Stewart Brand que, nos anos 60, durante o movimento hippy, chegou a uma visão igualmente transformadora sobre o nosso lugar no planeta e o do planeta no espaço. "Um mês depois do Trips Festival, em Fevereiro de 1966, Brand estava sentado no seu terraço de cascalho em North Beach, São Francisco, desfrutando dos efeitos de 100 microgramas de LSD. Olhando para o horizonte, cogitava numa coisa que Buckminster Fuller dissera: a nossa perceção de que o mundo é plano e se estende indefinidamente, em vez de redondo e pequeno, deve-se ao facto de nunca o termos visto do espaço. Instigado pelo ácido, deu-se conta da pequenez da Terra e da importância de outras pessoas também terem essa consciência. Aquele ponto de alavancagem fundamental sobre os males do mundo tinha de ser divulgado. Bastaria uma fotografia – uma fotografia da Terra vista do espaço. Aí estaria, o plano inteiro, para que todos o vissem, minúsculo, à deriva, e nunca mais ninguém voltaria a perceber as coisas da mesma maneira, recordou. Isto incentivaria, acreditava ele, o pensamento de visão geral, a empatia por todos os habitantes do planeta e o sentido de pertença. Resolveu convencer a NASA a tirar essa fotografia." Depois de uma campanha muito original em que perguntava «Por que motivo ainda não vimos uma fotografia da Terra inteira?», em Novembro de 1967, "(...) a NASA cedeu. O satélite ATS-3 tirou uma fotografia da Terra de uma altura de 33 mil e oitocentos quilómetros, servindo de capa e inspiração para o novo projecto de Brand, o "Whole Earth Catalog".
A diferença entre a visão de Brand e a do conto de Salter é que aquela veio pela mão da tecnologia e parece estabelecer uma nova ordem de factos ou um novo limiar das aparências.
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