Mário Martins
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“O cepticismo é o primeiro passo para a verdade”
“Aquilo que nunca foi questionado nunca foi provado”
“Poderão exigir que procure a verdade, mas não que tenha de a encontrar”
Pensamentos Filosóficos
Denis Diderot
Reconstituir a vida de Denis Diderot (1713-1784), o philosophe, como era chamado, é mergulhar na tremenda luta de ideias que agitou uma sociedade, a francesa, sujeita a uma monarquia despótica e a um catolicismo asfixiante, prenunciando a convulsão revolucionária que ocorreria apenas cinco anos depois da sua morte, nos finais de um século que a posteridade haveria de distinguir como o século das Luzes ou do Iluminismo.
No plano político-social, o filósofo não era de meias tintas: “Põe os olhos na capital do teu império e encontras duas classes de cidadãos. Alguns, chafurdando na riqueza, exibem um luxo que provoca a indignação entre aqueles que não foram corrompidos por ela”. Esta nota atrevida era dirigida, nada mais nada menos, do que ao jovem rei de França, Luís XVI, neto de Luís XV, que 25 anos antes o havia mandado prender, por heresia e delito de opinião. Diderot perguntava depois ao rei “a razão pela qual continuava a tolerar a insaciável cobiça dos seus cortesãos, permitindo a todos os homens protegidos do seu reino que se abriguem do peso da tributação, enquanto o povo geme sob o peso dos seus impostos”.
Para desilusão do filósofo, de nada valeram os avisos ao rei, tal como tinham caído em saco roto, alguns anos antes, os conselhos que, por escrito e pessoalmente, dera à czarina da Rússia, Catarina, a Grande, que o protegeu e, diletantemente, gostava de o ouvir. A certa altura, perante a insistência de Diderot em saber qual a razão pela qual nenhuma das suas sugestões fora implementada, a imperatriz respondeu que “Nos vossos planos de reforma, esqueceis a diferença entre os nossos dois papeis: vós trabalhais no papel, que tudo consente: é suave e flexível e não oferece qualquer obstáculo nem à vossa imaginação, nem à vossa pena, ao passo que eu, pobre imperatriz, trabalho na pele humana, que é muito mais irritadiça e sensível”.
Apesar deste espírito imobilista, o absolutismo russo teria ainda uma vida longa de mais de um século, enquanto o francês em breve sucumbiria na guilhotina da Revolução. Dessa intensa relação intelectual entre a déspota russa e o filósofo, ficariam os caboucos artísticos do que viria a ser um dos maiores museus do mundo, o Ermitage, em Sampetersburgo, para onde transitou, comprado pelo estado russo a proprietários franceses, o primeiro acervo de obras de arte, escolhido e negociado por Diderot.
Crítico impiedoso da escravatura, aplaudiu o nascimento dos Estados Unidos da América, apesar de censurar os horrores do sistema das plantações baseado nela, na esperança de que, se a erradicasse, poderia tornar-se a terra prometida.
Ao contrário de outros dois grandes vultos do Iluminismo, seus contemporâneos, Voltaire e Rousseau, Diderot era ateísta. Por esta razão, os dirigentes da Revolução que, astutamente, não queriam assustar o povo com o ateísmo e lhes interessava manter Deus do seu lado, trasladaram o corpo de Voltaire para o panteão, enquanto classificavam Diderot como inimigo do povo.
Mal sabia o incansável escritor, filósofo, polímata, a alma da famosa Enciclopédia iluminista, que sempre se preocupara com a sua memória futura (“A posteridade cabe ao philosophe, como o céu ao homem de religião”), que o seu túmulo numa igreja de Paris haveria de ser profanado, nove anos depois da sua morte, por ladrões interessados no chumbo do caixão, indo parar os seus restos mortais,
presumivelmente, a uma vala comum…
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