Marques da Silva
Os meus dias atravessam agora o deserto, aparentemente sem rumo. Divido-me entre Palmira e Persépolis, atravessando os vales do Tigres e Eufrates. Não cheguei a tempo da destruição da antiga cidade semita. A Besta, com o poder discricionário das armas, destruiu os seus símbolos maiores no meio de um gáudio que nos deixou nesse drama da impotência. O que resistiu a séculos de passagem humana, tombava então às mãos da imundície do mundo. Nem os acordes da orquestra russa que nos fez chorar entre as pedras do anfiteatro, apagaram o sentimento de pesar. A Tadmur do deserto sírio, a cidade rodeada de tamareiras e das mil caravanas, exauria de dor perante a orgia de violência dos criadores do inferno. Quando acreditávamos ter visto tudo, a Besta voltou, veste-se de cores diferentes, mas é a mesma, ameaçando Persépolis a cidade de Dario que os oficiais de Alexandre incendiaram numa noite de bebedeira. Voltam a correr as lágrimas que não choramos e perdido entre o Oeste e o Leste, escuto o canto triste e dramático da humanidade, no seu clamor a Deus, atravessando estas areias por onde passava a rota que do Oriente trazia as especiarias. Fazes-me falta nestes tempos para apaziguar esta dor infinita na quietude do teu rosto, para escutar este meu lamento, esta agonia de pensar que o mundo que amamos está à beira do abismo. O império afunda-se e faz questão de nos levar a todos com ele. As palavras já não chegam, o nosso pranto esgota-se numa mágoa que magoa o peito. Olhamos em redor e constatamos que já não é apenas a cabeça da Besta que nos atropela. Em redor da mesma, pulsam uma quantidade assustadora de dementes, mentes loucas e agressivas em regime de céu aberto e com uma multidão aterradora de apoiantes: Victor Orban, Duterte, Bolsonaro, Duda, Jeannine, Ivan Duque e toda uma galeria de gente maldosa, violenta, depravada nas suas acções políticas. O mundo estremece no horror desta caçada que se estende pelo planeta, sustentada por guardas pretorianas cegas e com o dedo no gatilho. Amontoam-se os mortos e sentimos sempre essa debilidade da derrota, essa vontade de os expulsar para uma órbita longínqua. A bússola gira desordenada. E assim vão perecendo, os nossos valores, os nossos sonhos, a nossa procura da perfeição, do registo humano que demanda na evolução criativa o rumo para a humanidade. O vento deixou de soprar sobre o deserto sumério. Bagdad e Damasco estão cercadas pelo ódio da Besta. Só, no deserto, só te tenho a ti e a este canto, lacrimoso, comovente e pungente. Até quando resistirá este pranto?
No correr dos dias:
02 de Janeiro. Existe uma diferença entre o genocida violento, Adolf Hitler e o idiota vaidoso, Donald Trump. O primeiro, pôde incendiar a Europa, o segundo, pode destruir o mundo.
03 de Janeiro. Bill Clinton, na década de 90, para distrair as atenções dos cidadãos dos seus problemas sexuais, disparou uma saraivada de mísseis sobre uma fábrica de medicamentos no Sudão e sobre objectivos que nem ele sabia bem quais eram no Afeganistão. Donald Trump ao chegar à presidência, baseado num relatório fraudulento da OPAQ, despejou cem mísseis sobre a Síria, acompanhado de Macron – tão amigos que eles eram! – e da subserviente Inglaterra. Ontem, Donald Trump, para fortalecer a sua campanha eleitoral, com três mísseis, assassinou o mais importante general do Irão e o comandante das milícias xiitas do Iraque. Os presidentes dos EUA afinal não passam de rocket men. Como ninguém acredita que estes assassínios ficarão sem resposta, esperemos que a imensa estupidez de Trump não tenha aberto a porta do inferno.
6 de Janeiro. Donald Trump ameaça destruir por bombardeio lugares culturais do Irão, património da humanidade e o mundo aceita essa vontade, sem um clamor, sem um protesto. A vontade do império parece prevalecer, até na Europa que se queria culta e com história.
As sanções de Donald Trump só produzem efeito pelo simples facto de aqueles que se arvoram de líderes, terem sequestrado os respectivos Estados aos seus interesses espúrios. Só assim se explica que 330 milhões de pessoas possam ter como reféns os restantes 7 mil milhões de seres humanos.
8 de Janeiro. Donald Trump diz: «temos o exército mais poderoso do mundo, temos novos mísseis hipersónicos, podemos atingir quem quisermos e quando o quisermos, mas não o vamos fazer». Tenho dúvida que saiba sequer o que é um míssil hipersónico. É apenas um miúdo numa loja de brinquedos, o qual, como já vimos, rapidamente se pode transformar num canalha.
9 de Janeiro. O Parlamento iraquiano decide expulsar todas as tropas estrangeiras do seu território. O governo, dá seguimento a essa decisão e notifica o governo dos EUA para apresentar um plano de retirada das suas forças armadas. Donald Trump democraticamente declarou: «não saímos». No dia seguinte, sustentou a recusa com este argumento decisivo: «construímos lá uma base aérea onde gastamos biliões de dólares. Se retirarmos, terão de pagar. Temos uma conta deles e vamos utilizá-la». Aquando da invasão ilegal do Iraque, os EUA abriram uma conta num banco estado-unidense para onde passaram a canalizar todas as receitas do petróleo iraquiano. É dinheiro do governo e do povo iraquianos, mas onde os EUA se abastecem. É a democracia capitalista em todo o seu esplendor.
11 de Janeiro. O Irão reconheceu que por um erro lamentável, um dos seus mísseis defensivos abateu um avião de passageiros, ucraniano. É um reconhecimento tardio de uma nação acossada, pois a natureza dos destroços do avião não deixava pensar noutra coisa. As acções incendiárias do cartel de Washington já fizeram mais de 170 vítimas. Fica uma interrogação: numa noite com os nervos à flor da pele porque não fecharam os corredores aéreos?
12 de Janeiro. Em entrevista à revista História editada pelo JN, a historiadora, Maria de Fátima Bonifácio, debitou esta ideia extraordinária: «Se num regime de concorrência aberta e lícita [!!!] aparecem bilionários, tanto melhor, pois dão emprego a muita gente.» No Verão passado, no jornal Público, esta mesma historiadora escrevia que ciganos e negros não "partilham, de um modo geral, as mesmas crenças religiosas e os mesmos valores morais". Antes escreveu que deviam existir no ensino superior quotas para negros e ciganos.
13 de Janeiro. Clara Ferreira Alves, cujos escritos não frequento, em crónica para a revista do Expresso, deixou gravada esta pérola: “Qualquer leitor de História sabe que os persas andam em guerra há milhares de anos”. Só os persas?, os europeus não? O Império Romano, as monarquias feudais da Idade Média, do Renascimento, do Absolutismo foram uma espécie de reino dos céus, pacífico, onde se morria de monotonia? Eu que acreditava que as duas guerras mundiais do século XX se tinham iniciado na Europa! A última guerra travada pelos persas ocorreu na década de 80 quando tiveram de defender o país da invasão iraquiana. A última guerra da Europa aconteceu na década de 90, quando a voracidade capitalista destruiu um país, a Jugoslávia, e inventou outro, o Kosovo.
18 de Janeiro. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia disse que nos momentos que antecederam o abate do avião ucraniano, 6 aviões F35 da Força Aérea dos EUA, voaram sobre a fronteira Sul do Irão. Começa-se a compreender melhor os nervos à flor da pele dos iranianos e as certezas de Donald Trump logo após a tragédia. Que outras surpresas nos trarão o futuro!
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