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01/04/19

PÁGINAS NEGRAS

Mário Martins

segundaguerra-etep.blogspot.com


Todas as guerras acabam reduzidas a estatísticas, estratégias, debates sobre as suas origens e os seus resultados. Estes debates sobre a guerra são importantes, mas não mais importantes do que a história humana daqueles que nelas combateram.” 
Martin Gilbert


A nova vaga de nacionalismo estúpido (ela requer, certamente, compreensão mas não complacência…) que, se for bem sucedida, poderá ditar o fim da União Europeia e tornar outra vez real o fantasma da guerra, e a recente passagem dos 100 anos sobre a data do armistício da guerra de 1914/1918, motivaram-me para ler as cerca de 2.400 páginas das obras do historiador inglês Martin Gilbert “A Primeira Guerra Mundial” e “A Segunda Guerra Mundial”.

De nada valeu a pergunta desesperada de um vespertino de Londres em 1 de Agosto de 1914: “Trezentos milhões de pessoas estão hoje sob o signo do medo e do destino. Não há  ninguém que quebre o encanto, nenhuma luz nesta fria e negra cena?”, já que, três dias depois, “na noite de 4 de Agosto de 1914, cinco impérios estavam em guerra: o império austro-húngaro contra a Sérvia, o império germânico contra a França, a Grã-Bretanha e a Rússia, o império russo  contra a Alemanha e a Áustria-Hungria, e os impérios inglês e francês contra a Alemanha”. 

Como de nada valeram, no final da guerra, em 1918, o aviso clarividente do Primeiro Ministro britânico, Lloyd George, de que as cláusulas do tratado do armistício que estavam a ser elaboradas pelas potências vencedoras podiam vir a ser “uma fonte constante de irritação dos alemães (…) Não concebo causa maior de uma futura guerra do que cercar o povo alemão (…) de vários pequenos povos (…) contendo cada um largas massas de alemães que clamam uma união ao seu país natal…”; ou a observação perspicaz do marechal Foch, generalíssimo dos Aliados, “Isto não é paz. É um armistício para 20 anos.”

Bastaria, com efeito, passarem vinte e um anos sobre a carnificina causada por esta grande guerra imperialista, para eclodir, em 1939, uma guerra nacionalista e  racial, ainda mais terrível, que empapou de sangue o solo europeu, africano e asiático, e transformou mares e oceanos num imenso cemitério de navios e cadáveres.

A quem se interessa pelo sofrimento humano e não, propriamente, pela arte da guerra, importa registar que, se a Primeira Guerra Mundial causou a morte de 9 milhões de militares (entre os quais 7.000 portugueses), e de 5 milhões de civis em consequência da ocupação, bombardeamentos, assassínios em massa, fome e doenças, num total estimado de 14 milhões de pessoas, a Segunda Guerra Mundial quadruplicou o número total de mortos e de feridos e incapacitados, não se sabendo, aliás, ao certo o número de vítimas. No cemitério principal da cidade alemã de Dresden, sujeita a intensos bombardeamentos, uma inscrição no túmulo colectivo pergunta: “Quantos morreram? Quem sabe o seu número?”.

Importa ainda reter que a Segunda Guerra Mundial não distinguiu entre militares e civis, nem entre homens, mulheres e crianças, nem respeitou as regras elementares da guerra. Pode dizer-se que foram três guerras numa só: a territorial, a anti-bolchevique e a racial, cabendo a esta última o horrível extermínio de 6 milhões de pessoas. 

A besta que há em nós andou seis anos à solta, cometendo os crimes mais hediondos e as loucuras mais insanas, reduzindo a nada o valor da vida humana. Nobre, mas ingenuamente, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, acreditava, à data da sua morte, em 1945, que “Mais do que pôr fim à guerra, queremos pôr fim à origem de todas as guerras – sim, pôr fim a esse método brutal, desumano e ineficaz, de lidar com as diferenças entre os diversos governos.” Mas depois do que se passou, não devemos ter dúvidas de que a besta, reunidas as condições propícias, voltará a atacar.

Uma das lições a tirar desta negra história, é que foi a política das potências vencedoras da Primeira Guerra, nos anos subsequentes (em que tinham força dissuasora), de conciliação com os ditadores expansionistas Hitler e Mussolini, e de (des)armamento ingénuo, que propiciou as agressões nazis e fascistas e a consequente eclosão da Segunda Guerra Mundial. Tivessem a França e a Grã-Bretanha uma política firme, no intervalo entre as duas guerras, e teriam, certamente, poupado o mundo a viver os anos negros da Segunda Guerra Mundial.

É por tudo isto que, sem prejuízo da reclamação da necessária melhoria do seu funcionamento, nenhum sentimento de injustiça ou de insegurança, nenhuma ideologia ou utopia, nenhuma preocupação soberana ou democrática, podem justificar a aventura perigosa de acabar com a União Europeia. Quem contribuir para esse desenlace carregará a culpa de expor novamente os cidadãos europeus e de todo o mundo ao perigo de se inserirem novas páginas negras nos livros de história.


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