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01/05/18

CUBA

 Mário Faria


Foi uma longa viagem o regresso de Cuba. Alguma turbulência, um serviço péssimo, com hospedeiras cansadas e pouco amáveis. Sentado na última fila, surpreendeu-me ver à minha direita três lugares vazios com direito a blackout. Todas as conjeturas que fiz sobre o facto (algumas maliciosas) estavam erradas pois foi o pessoal da cabine que os utilizou para descansar durante a noite. A ementa foi má e a confeção péssima: no serviço militar não comia pior. Pensando nestas desgraças, lembrei-me dos gloriosos tempos em que demorava mais de 12 horas para chegar ao Porto, vindo de Elvas. As carruagens de todas as classes iam a abarrotar e a viagem quase sempre feita de pé. Uma molhada. As catenárias cumpriam, com demasiada frequência, o seu fado: 'faziam parar' o comboio amiúde, ajudando à festa, às vezes com direito a ir à linha para encher os pulmões, sair do bafio e socializar com os parceiros de jornada. Modernizámos todas as estruturas e exigimos padrões de qualidade cada vez mais elevados e que no passado não eram exequíveis: o atavismo dominava e o protesto era ilegal. 

Cheio de sono e enjoado com a ementa a que tive direito, dei por mim a relembrar os miúdos na escola em Havana. A forma como aproveitam a rua para brincar, correr ou jogar à bola, e como um espaço interior tão exíguo dava para acolher uma escola, com a auxiliar a deitar os mais pequenitos com ternura, enquanto, na sala contígua, a professora acompanhava os exercícios que os mais velhos faziam. Parecia impossível como cabiam todos. A professora e a auxiliar não eram jovens; notava-se que a disciplina imperava e que a escola estava bem aberta aos olhares, até dos turistas. Os miúdos estavam serenos e atentos aos trabalhos. Pareciam estar integrados, apesar de tanta escassez. Com alguma malícia, dei por mim a posicionar os dirigentes da Fenprof em Havana a preparar mais uns dias de luta e uma possível greve geral, se não fossem revistas as condições de trabalho de professores e alunos. E os salários, obviamente.

20 anos depois, encontrei Cuba mais cosmopolita, sem pedintes e prostituição a cada canto, e sem filas para a população comprar  artigos de primeira necessidade. Os transportes circulam pela cidade e o turismo desenvolveu uma série de actividades comerciais que, sem serem massivas, animam as ruas e são agradáveis pela sua simplicidade. Nas horas que circulei, tive a oportunidade de visitar os mais icónicos monumentos e espaços públicos e dei de caras com La Bodeguita del Medio repleto de gente e com a banda a tocar música cubana tão genuína, nos meios e processos, que contribuiu para que uma certa ideia de Cuba que idealmente tinha formado e representaria uma alternativa mais justa de organização social, que senti perdida e revi com alguma esperança, agora. Pelo caminho, ouvi críticas impiedosas a Castro e nos cafés e restaurantes os empregados faziam-se à gorjeta sem cerimónia. A prostituição era menos chocante, mas sentia-se. A qualidade dos corpos continuava em alta. Apesar disso tudo, Cuba tem qualquer coisa que nos agarra e seduz, apesar da falta de planeamento, nomeadamente na habitação, com casas abandonadas a cair de podres, muitas outras recuperadas onde vive gente em condições mais ou menos precárias, convivendo com mamarrachos feitos à pressa e sem qualquer enquadramento urbanístico. O controlo de entradas e saídas é excessivamente rigoroso. Para quem viaja pelo mar é asfixiante. Cada vez que entrei ou saí, tive de passar pela máquina do tipo que existe nos aeroportos, pelo polícia de serviço que pedia o passaporte, mandava tirar dos óculos e nos fotografava: tudo conforme as normas. Na volta, de regresso ao barco, a cerimónia era mais do mesmo. É controlo a mais. E a polícia não sorri. Tive saudades do espaço Schengen. Visitei outros países da zona que vendem praias e turismo e de seguida poem a nu a enorme pobreza que por lá campeia. É assim a vida por, aqueles lados.





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