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01/09/17

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PERPLEXIDADES

Manuel Joaquim
http://theparrotplace.co.nz/about/

IMBECIL pessoa que demonstra poucas capacidades intelectuais;

IGNORANTE – pessoa que não tem conhecimentos ou competência em determinada matéria; pessoa sem cultura, sem instrução;

REPUGNANTEque causa nojo, repulsa, asqueroso, que é oposto à razão.



(Do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – A C Lisboa)



No artigo publicado no passado mês de Julho recordei o assassinato do Presidente dos EUA, JF Kennedy, em 22 de Novembro de 1963, num processo de golpe de estado. 

Este mês, tinha em mente escrever sobre o que neste momento se está a passar nos EUA, possivelmente uma nova tentativa de golpe de estado para afastar Trump da presidência e colocar lá o vice-presidente. Os mesmos poderes e interesses do golpe anterior trabalham afanosamente, com condimentos naturalmente diferentes. Mas algumas intervenções públicas que ouvi nestes últimos dias provocaram alteração nas minhas intenções. 

Ouvir na televisão sobre o piar de políticos, que, neste momento, ainda mandam, pios de quem está a piar mas que já não manda; ouvir dizer que a realidade acaba sempre por derrotar a ideologia, escamoteando os interesses e valores que sempre defendeu; sem rebuço defender um político que em três meses de poder gastou ao seu estado trinta mil euros em maquilhagem e, depois de dizer outros disparates, terminar falando da Venezuela como papagaio de serviço;

Ouvir na televisão uma candidata a uma Câmara defender a construção de vinte estações do Metro depois de ter estado no governo e ter defendido as privatizações dos transportes e a liquidação de bancos em reuniões de Conselhos de Ministros sem discussão e sem a sua presença, votando por mail, e não vendo nenhuma perturbação na cara da senhora, dá muito que pensar;

Ouvir tanta gente a falar da greve na Autoeuropa, tão preocupada, tão Chorosa com o futuro dos trabalhadores; ouvir a anterior ministra das Finanças a intervir sobre o assunto, também muito preocupada com a situação, esquecendo que tomou muitas decisões que contribuíram para o desemprego de milhares de trabalhadores e para o desespero e miséria de muita gente, fico perplexo.

Será que estamos a assistir a uma alteração das condições políticas que levam ao desespero de quem está a perder poder?

NATUREZA


Mário Faria

http://www.viajarentreviagens.pt/portugal/dicas-de-viagem-nos-passadicos-do-paiva/




No Verão, no mês de Setembro, fui durante alguns anos para Paradela de Trás-os-Montes. Era um calvário para mim. Muito calor e um ambiente demasiado rural. Comia-se sopa de abóbora e batatas cozidas regadas com azeite. O pão era cozido no forno e azedo. A fruta em abundância era a salvação. E os bons amigos que por lá fizemos, ajudaram a mitigar a precariedade das condições à nossa disposição. Emagrecíamos e a minha mãe decidiu acabar com as férias em Paradela. Por essa altura, o meu pai nas poucas palavras que deixava, disse: quando fores mais crescido vou levar-te á natureza, mais próxima e amiga. Não cumpriu. Em vez disso, levou-me ao Estádio das Antas e gostei muito do que vi. E fiquei seduzido para sempre. No início deste mês, com intenção de visitar os passadiços de Arouca, fui para essas bandas. Marquei hotel, no cu de Judas, lá para as bandas de Castelo de Paiva. A viagem teria decorrido melhor se a moça do GPS não estivesse afónica. No fecho, tivemos de ultrapassar uma estrada apertada e com um declínio que metia medo, com cerca de quilómetro e meio, quase toda de via única. Chegados, demos com um panorama deslumbrante: finalmente, tinha descoberto a natureza que me tinha sido prometida. Mas, a natureza não é perfeita. Um fogo de manhã e outro de tarde, combatidos com helicópteros e Canadairs, foram vencidos com sucesso. Mas a ameaça ficou. A recepcionista desvalorizou os nossos temores e disse: “é fogo posto, só pode; aqui não chega porque a humidade não deixa”. Lembrei-me de Angola e das intensas e belíssimas matas que constituíam um refúgio seguro em caso de incêndio, natural ou malicioso. Umas boas passeatas pelo rio Paiva deslumbraram-nos. Da parte da tarde, o sol e os mergulhos na piscina suavizavam o calor. O pessoal (apenas quatro operacionais) dava conta do recado com uma ligeireza e uma simpatia que nada ficava a dever ao encanto do lugar. Gostei muito, mas não sei se voltarei. A estrada não é amiga e os fogos são uma ameaça permanente. Alem disso, sou um inveterado citadino e desconfio da natureza, da sua desordem e das suas manifestações brutais. No empreendimento turístico onde o campo foi domesticado, colonizado e anexado à vida urbana, sinto-me mais confiante. Mas nunca se sabe: a natureza não é um estado idílico permanente. 


EU, DEMÓCRITO


Mário Martins



Democritus, Hendrick ter Brugghen, 1628




“Por definição há cor. Por definição há doce. Por definição há amargo. Mas na realidade há átomos e espaço.”

Demócrito

Porque não gozo - ó vã glória! da fama do meu contemporâneo Sócrates, ou de vindouros como Platão e Aristóteles, eu que “descobri” os átomos, com o meu mestre Leucipo, há cerca de 2.400 anos? E, no entanto, não havia ciência e muito menos aceleradores de partículas; a ciência como disciplina e método haveria de esperar mais de dois longos milénios até a cabeça de Newton oficialmente a inaugurar. É certo que tenho boa reputação nos meios científicos; ainda um destes dias, em dia de folga do Além, pude ouvir, não sem uma ponta de vaidade, num documentário de divulgação científica do canal História, que as minhas ideias sobre a física estavam fundamentalmente certas. Para o meu tipo de pensamento “fora da caixa” o cosmos, infinitamente grande e onde existiriam muitos outros mundos como o nosso, não era governado por Deus(es) mas sim pelo movimento imanente ou auto-criador. É pena não estar autorizado pelas regras absolutas do Além a divulgar se estas minhas concepções estavam certas ou erradas, mas compreendo que é melhor para a humanidade Religião e Razão continuarem a coexistir. Os pintores do Renascimento retrataram-me como “o filósofo que ri”; talvez o riso explique a minha longa vida de 90 revoluções celestes…

CUMES ARTIFICIAIS



António Mesquita



Arnold Schönberg (1874/1951)



"Os grandes artistas nunca foram aqueles que encarnavam o estilo mais puro e o mais perfeito, mas aqueles que, nas suas obras, utilizaram o estilo para se endurecerem eles próprios contra a expressão caótica do sofrimento como verdade negativa. O estilo das suas obras dava ao que eles exprimiam a força sem a qual a vida se vai sem ser compreendida. Mesmo as obras que se definem como clássicas, como a música de Mozart, contêm tendências objectivas que contrastam com o estilo que elas encarnam. Até a Schönberg e Picasso, os grandes artistas mantiveram a sua desconfiança a respeito do estilo e quando as questões decisivas estavam em causa, eles seguiam menos o estilo do que a lógica do objecto."

"La dialectique de la raison" (Max Horkheimer e Theodor Adorno)


"Os dadaístas e os expressionistas nas suas polémicas condenavam (o que diziam ser) a mentira do estilo."

O estilo é o mais exterior, sendo a marca mais pessoal. Uma vez criado e estabelecido pode ser imitado (é o tema de "Fake" de Orson Welles), aplicado como uma fórmula a qualquer tema.

Mesmo o criador demasiado consciente do seu estilo já não encontra o caos contra o qual forjou o seu estilo, mas a dureza que é a memória desse confronto.

A mentira do estilo é a mentira da palavra que se repete e cujo sentido é o de uma língua morta.

CARTAS DE SANTA MARIA


Fernão Vasques





http://mark.pleskac.org/1284


Borgarbyggð, 31 de Agosto

Ao procurar razões para ter parado nesta pequena cidade, não encontrei nenhum aspecto substancial. Creio que foi o cansaço. Não o físico, mas o anímico, essa sensação, que em certas ocasiões nos chega, de termos perdido tudo e para perder tudo, não é necessário que sejam muitas coisas, por vezes, basta uma só, seja um objecto, algo ou alguém que nos esteja próximo e cujo significado nos preencha a vida. Caminhei calma e despreocupadamente ao fim da tarde por uma rua sem saída. Tem o nome de Berugata, mas desconheço se é nome próprio ou se tem outro significado. São cento e cinquenta metros de via. Do lado interior, estão vivendas de arquitectura simples, com um piso. Do lado oposto ficam as águas do golfo, uma entrada profunda com quase vinte quilómetros e a cidade forma uma ínsua no seu interior. À esquerda aparece no horizonte uma travessia de mil e quinhentos metros e em frente o que me trouxe aqui por esta hora, um maciço de rocha erguendo-se na outra margem. Uma parede que se ergue e tapa o horizonte com elegância. As águas oceânicas quase não se movem e o céu aparece rasgado por fiapos delicados de nuvens que se desdobram em cinzas acastanhados. Sente-se uma placidez transbordante que parece extensiva a toda a ilha. Entrei na Islândia pelo sul, pela pequena cidade de Vík í Mýrdal com os seus 300 habitantes. Escolhi este lugar atraído pelas colónias dos fascinantes papa pufins e pelo glaciar Mýrdalsjökull no interior do qual repousa activo o vulcão Katia, há cerca de cem anos sem sinais de vida. Os pássaros retiveram-me em horas de contemplação. Não apenas pelas suas cores e o seu aspecto, mas também porque se percebe alguma ternura nestas aves. Da montanha onde repousa o gelo fica o pasmo das muralhas de neve secularmente solidificada e esse receio de que a todo o momento tudo aquilo se pode desmoronar em vagas de água imparável. Segui para norte, mas evitei a capital, pela concentração de pessoas, cerca de 50% da população do país. Quase tudo é novo, em cada lugar que se atravessa, desde os edifícios às estradas, como se só há pouco este território tivesse conhecido a presença humana, ou tivesse simplesmente pretendido esquecer o passado, pretérito esse que, no entanto, é longo com mil e duzentos anos. Foi um país sempre ocupado e os reinos da Noruega e da Dinamarca bem podem responder pela miséria, por vezes extrema, que atingiu os islandeses desde a Idade Média até ao século XX. Halldór Laxness, o Prémio Nobel islandês, retrata bem essa vivência em alguns dos seus romances. Com a independência, em 1944, os islandeses transformaram o seu país até o terem elevado a um dos lugares do planeta com mais qualidade de vida. Tudo é belo nesta ilha. A natureza deslumbra a cada instante, umas vezes pela grandeza, outras pelo pormenor. Sobretudo há uma sensação de serenidade, de descanso, de distensão. A solidão que se sente no exterior de cada localidade e nas grandes extensões que separa algumas, é compensada pelo ambiente que nos rodeia, como se dialogássemos com o espaço que nos envolve. É um país tranquilo, como me faz sentir neste fim de tarde e início de uma noite que tarda em chegar no Verão e não chega a escurecer o dia que quase nasce após ter acabado. São dias longos e temperaturas amenas se pensarmos na latitude em que nos encontramos. O círculo polar fica por aqui e faz-nos lembrar que este caminho que tenho percorrido se aproxima do fim, tal como estas palavras se esgotam, preferindo a meditação com o olhar pousado na cordilheira que se desenha altiva na outra margem.

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