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01/12/14

UMA QUESTÃO DE FÉ!

Mário Faria

http://2.bp.blog

 

Na gruta, a terceira idade dançava de forma animada, as mulheres com redobrado entusiasmo. Do Vira ao Kuduro os passes para os diferentes ritmos não divergiram tanto assim. A sala estava repleta. Não se notava cansaço: a terceira idade no seu melhor. Na zona do coreto a rapaziada da UFP mantinha a ordem unida e os gritos guerreiros no quadro das idiotas praxes académicas que duram todo o ano lectivo, para os meus lados. Junto ao Monumento à família, como apelido a escultura em cor de cinza e de caras desfiguradas e tristes pela penúria, os amigos dos animais reuniam com dezenas de cães dando jus à notícia que as famílias têm menos crianças que daqueles canídeos. Os miúdos não estavam por lá, apesar do bom tempo. Era este o ambiente, num dia bem solheiro no meu Jardim. Um atleta, já cansado pela idade, corria vergado pelo esforço: parecia mais sacrifício do que exercício, mas continuou com aquele ar infeliz e naquele ritmo lento e fatigado até o perder de vista. Também me sentia pouco feliz, dados os acontecimentos recentes, quando fui abordado por dois jovens da Igreja Mormon: um brasileiro e outro americano. Não dava por eles há muito tempo. Eram curiosos, fizeram muitas perguntas a que respondi evasivamente e lá consegui fugir com um panfleto daquela igreja com as teses da última Conferência Geral e o cartão de um deles com a seguinte assinatura:“Ao ouvirmos, que nosso coração seja tocado e nossa fé aumentada”.

Não tem mais de metro e meio de altura, anda vestido da forma tradicionalmente ridícula, de meia branca, casaco claro e calças cinzentas pelos tornozelos, gravata cheia de cores e chapéu de palhinha, foleiro. É provocador e fala a berrar como se lhe coubesse o direito de ralhar a toda a gente, apesar do tamanho, da pouca envergadura e da avançada idade. No bairro, chamam-lhe o Meia Leca. Encontrei-ono Jardim, vestido de forma ainda mais bizarra: substituiu a gravata por um laço azul com pintinhas amarelas e trazia um sobretudo cinzento, muito puído. “Obrigava” uma velhinha a atravessar a rua, com gritos descoordenados e sem delicadeza. Deu para perceber a incomodidade da idosa que, cansada do arrasto, o ameaçou com a muleta em riste em sinal de iminente ataque. O tipo percebeu o sinal e obedeceu, libertando a velha senhora. O Meia Leca fugiu em passo apressado a resmungar e seguiu para a gruta. Foi dar ao pé.

O ambiente no Jardim é simpático e familiar e não rima com o ruído à volta da justiça e da prisão preventiva de Sócrates. Não se ouvem protestos: o povo é sereno e não se incomoda com a fumaça. Talvez entenda que a vida continua e que a “Sócrates o que é de Sócrates e aos portugueses o que é dos portugueses, o que vale tanto quanto a afirmação de que à política o que é da política e à justiça o que é da justiça que pareceu um achado na retórica de António Costa. Não há nada como as frases feitas, porque nada dizem e não comprometem. Cá por mim estou muito inquieto: acho que a direita sairá reforçada desta trapalhada e o PS vai sair mal tratado. Não me consolo com a desgraça alheia porque pode render votos a outros partidos de esquerda, o que não creio. Por outro lado, não estou certo que os juízes sejam imunes à atracção pelo poder: menos no TC porque as decisões são partilhadas pelo colectivo do que no TICem que um só homem mexe em demasiados processos de grande complexidade envolvendo quadros políticos e da administração pública. E como temo os juízos que agem ao sabor da corrente, do género que uma juíza transmitiu, subliminarmente, ao escrever num acórdão: “não aplicar uma pena que possa ser considerada laxista pela comunidade”. Sou um homem sem fé e o meu coração não se sente tocado: não consigo deixar de ter medo dos juízes e "o pior que podia acontecer ao país era uma República dominada por juízes ou magistrados". "É isso que está a acontecer. Eles é que mandam". Devemos estar atentos: um mal nunca vem só.

 

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