Mário Martins
Georges Lemaître
(http://image2.findagrave.com/photos/2012/143/39553567_133779373716.jpg)
"O Big Bang, que é designado como a origem do mundo, não contradiz o acto divino da criação. Em vez disso, exige-o".
Papa Francisco, num discurso na Academia de Ciências Pontifícia (Jornal Público, 28Out2014)
Há muito que a ciência deu, sem querer, à religião, no caso, à Igreja Católica Romana, a oportunidade de se actualizar, sem perder o pé, isto é, de poder basear a crença no divino não apenas na tradição bíblica, de ordemmitológica, mas também na razão. A teoria científica, já clássica, do big bang, (curiosamente proposta, em 1927,pelo padre e cosmólogo belga Georges Lemaître), quer dizer, da grande explosão primordial que deu origem ao universo há cerca de 14.000 milhões de anos, estava mesmo a pedir a conclusão lógica do Papa Francisco, feita, aliás, na esteira de anteriores declarações papais. É certo que o Sumo Pontífice evitou os terrenos mais movediços, para a ciência e para a igreja, da teoria do multiverso, defendida por algumas correntes da física teórica. Por esta teoria, sem evidência experimental, "deve haver um número infinito (sublinhado meu) de universos paralelos que entraram em decoerência uns com os outros"*, hipótese que tira o divino de fora do "mundo"(na expressão papal) para o colocar dentro dele. Numa abordagem racional do divino, este é puramente abstracto, no sentido em que é imaterial e desprovido de valores, o que não impede de ser logicamente necessário para explicar as hipóteses auto-explicativas, porque sem causa, do big bang ou do multiverso. É claro que podemoscolocar a natureza (no sentido de processo natural da existência) no lugar do divino, mas tal operação torna, a meu ver, equivalentes os dois conceitos. A natureza, enquanto todo do qual fazem parte os observadores que nós somos, é um dado que nenhuma disciplina pode explicar. Em última análise, vamos actualizando, através da ciência, o conhecimento que podemos ter do universo, descobrindo padrões de funcionamento a que chamamos leis, mas este continuará a pesar sobre as nossas cabeças como uma entidade absolutamente estranha.
*Michio Kaku, in "Mundos Paralelos", Editorial Bizâncio
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