01/09/12
CRACIAS *
Mário Martins
particracy.wikia.com |
Se
uma espécie de partidocracia ocupou o lugar da democracia talvez não seja de
todo inútil olhar mais de perto para alguns aspectos constituintes e funcionais
dos partidos políticos portugueses.
Comecemos
por destacar algumas disposições mais relevantes da Lei dos Partidos Políticos
(Lei Orgânica nº. 2/2003 de 22 de Agosto): **
“Artigo
1.º
Função
político-constitucional
Os
partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão
da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos
princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia
política.
Artigo
2.º
Fins
São fins dos partidos políticos:
a) Contribuir para o esclarecimento plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos;
b)
Estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural,
a nível nacional e internacional;
c)
Apresentar programas políticos e preparar programas eleitorais de governo e de administração;
d)
Apresentar candidaturas para os órgãos electivos de representação democrática;
e)
Fazer a crítica, designadamente de oposição, à actividade dos órgãos do Estado,
das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de
que Portugal seja parte;
f)
Participar no esclarecimento das questões submetidas a referendo nacional, regional ou local;
g)
Promover a formação e a preparação política de cidadãos para uma participação directa
e activa na vida pública democrática;
h)
Em geral, contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o
desenvolvimento das instituições democráticas.
Artigo
4.º
Princípio
da liberdade
1
- É livre e sem dependência de autorização a constituição de um partido
político.
2
- Os partidos políticos prosseguem livremente os seus fins sem interferência
das autoridades públicas, salvo os controlos jurisdicionais previstos na
Constituição e na lei.
Liberdade
de filiação
3
- Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito ou isento de qualquer dever em razão da sua filiação partidária.
Artigo
24.º
Eleitos
dos partidos
Os
cidadãos eleitos em listas de partidos políticos exercem livremente o seu
mandato, nas condições definidas no estatuto dos titulares e no regime de
funcionamento e de exercício de competências do respectivo órgão electivo.”
O
que eu destacaria deste enquadramento legal seria a responsabilidade mas também
o carácter não exclusivo do papel dos partidos, seja na livre formação e no
pluralismo de expressão da vontade popular, na organização do poder político, no
exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos, no esclarecimento
das questões submetidas a referendo, na promoção dos direitos e liberdades
fundamentais, no desenvolvimento das instituições democráticas; e, por outro
lado, o regime de liberdade de exercício do seu mandato pelos cidadãos eleitos
em listas dos partidos.
*
Do pospositivo -cracia = força, poder, autoridade (Dic. Houaiss da Língua
Portuguesa)
**
Fonte: www.tribunalconstitucional.pt
CONTINUA
MISERÁVEIS
Alcino Silva
Será
certamente um lugar-comum escrever que a sociedade humana é complexa, tanto pela
diversidade dos seres que a compõe como pela diferença dos interesses que os
movem. Essencialmente a partir do momento em que os grupos humanos se
sedentarizaram, criaram raízes e ergueram estruturas, essa complexidade
ampliou-se e teceu os fios de conflitos que não mais deixaram de se acentuar.
Ao mesmo tempo que organizava a vida em comum em espaços e territórios
definidos, criava disposições que separavam com clareza os que se encontravam
na posse dos bens e os termos em que os restantes podiam usufruir dos mesmos.
Nos momentos da história em que os avanços do conhecimento e o domínio do saber
impuseram, exigiram uma fractura na sociedade, ao nível da economia e da
política, a estrutura organizacional da comunidade alterou-se e mudou de certa
forma a relação entre os detentores do poder e os restantes. A cada nova
mudança, os direitos dos últimos evoluíam de forma positiva, mas o poder não
mudava de grupo, modificava-se apenas a relação entre ambos, existindo direitos
que passaram a papel escrito, pese embora nem sempre, ou muitas vezes, não se
cumprirem. Na última grande mudança histórica, as relações sociais voltaram a
sofrer alterações e nos últimos cem anos o grupo desapossado, adquiriu
capacidades de cidadania como antes a história não conhecera, mas o essencial
manteve-se inalterável, o poder permanece na posse de um grupo restrito de
pessoas que dele usufrui nos termos que decide e condiciona a vida dos restantes
de acordo com esse seu interesse. O desejo mais legítimo de um ser humano
consciente das suas responsabilidades e deveres é que a sua relação com os
outros assente um dia numa democracia que seja uma forma superior de
organização social, onde os interesses divergentes se coadunem com o dever
colectivo e prevaleça esse princípio imutável de que a liberdade de cada um
termina onde começa a dos outros. Por enquanto, nesta sociedade de fingimento
em que vivemos, a democracia, como a definiu João Pedro Mésseder num dos seus
últimos livros, não passa de um «regime que permite aos pobres escolher uma
entre várias servidões». É verdade que muita gente séria exulta de alegria com
a frase de Winston Churchill de que a democracia é o pior dos regimes, mas não
há outro melhor, contentando-se assim, e na aparência definitivamente, com a
frase desse aristocrata e conservador britânico que na vida nada fez que não
fosse viver do trabalho dos outros. Mas nesta democracia de aparências e de
interesses tão opostos é natural que cada grupo se organize para melhor se
defender na repartição da riqueza. Em cada actividade assim acontece. Os
trabalhadores unem-se em Sindicatos, os seus patrões em associações. Foi no
interior desta necessidade que terá um dia nascido uma entidade denominada
A.P.S.(1). Como é natural, sobretudo no tempo em que vivemos, para além de
organizar princípios e normas comuns para os seus associados, procura servir-se
do poder através de jogos de bajulação, de transferência de interesses, de
traficâncias espúrias, para que os seus intentos saiam beneficiados de alguma
forma e os seus lucros possam crescer sem qualquer contenção. Tem ainda como
missão, essa ingrata tarefa de aparentar que negoceia com os representantes dos
trabalhadores das suas associadas, um contrato de trabalho. Os sucessivos
presidentes desta associação simulavam todos, aquele ar sério de gente acima de
qualquer suspeita, rosto grave, fato a condizer, de preferência de marca que
não deixe dúvidas quanto à diferença de nível, distanciamento no falar.
Extraindo este visual, em quase todos eles, interiormente sente-se essa
ausência de dignidade que caracteriza aqueles que a tudo se ajustam em nome da
sua narcísica ambição. Mas a última escolha teve de ser apurada, para
corresponder aos sinais do tempo. Num momento em que se vive um criminoso
processo de concentração e acumulação de capital com origem na injusta
apropriação da mais-valia, na exploração, roubo empobrecimento e miséria dos
povos e das nações, num tempo em que se apregoa a necessidade de despedir como
forma de criar emprego ou de reduzir o salário mínimo como forma de combater o
desemprego houve a necessidade de nomear alguém que se encontrasse à altura e
sobretudo sem escrúpulos para abraçar este desafio. Certamente pelos seus
imensos méritos, foi apresentado como homem credível no sector, elemento mais
que abonatório para o lugar, pois se há algo que devem vestir as criaturas do
poder, é a credibilidade, sentimo-la no bafo quando se aproximam, vêmo-la
gotejar nas pequenas partículas de água que lhes afagam o rosto naqueles
momentos em que têm de tomar decisões que passam por algo parecido com
competência, atributo que os perturba, os enerva, pois com dificuldade
distinguem a estupidez da inteligência, mas escrevia sobre os seus extensos e
amplíssimos méritos, foi designada essa figura ímpar essa criatura entre o
entroncado e o gordito, com o colarinho da camisa a aparecer como elo
estrangulador da garganta, deixando a entender que a qualquer momento, a cabeça
se vai separar do resto, isto naquela admissão ingénua de que o resto tenha
cabeça. Figura de longo percurso, dessas caminhadas que, como eles dizem foram
feitas a pulso, o que quase sempre quer dizer com pés e mãos sobre os outros,
abraçou o lugar e essa missão de transformar as relações laborais numa mistura
de sujeição e servidão. Percebeu ou disseram-lhe, certamente disseram-lhe pois
não tem muito cara de quem entende seja o que for, que se vive o momento certo
para destruir o equilíbrio desejável em democracia, regulador da diferença de
interesses no interior do mesmo espaço. A este anafado Pedrinho pouco
interessou as questões de organização nas empresas, apenas lhe tocava na mente
esse desejo que há vinte anos atrás procurou impor aos trabalhadores da empresa
que acreditava dirigir, se encontrassem disponíveis, como ele, vinte e quatro
horas por dia. Foi este bombeiro que na mesa de negociações rasgou tudo o que
pudesse assemelhar consenso e certamente com o sopro da vontade dos que lhe
pagam requisitou a ajuda de um petit guru sindical, o qual, sabe-se lá a que
preço, se disponibilizou para esse assalto infame aos direitos daqueles que são
os verdadeiros e únicos criadores de riqueza. Consumado o esbulho, sentindo escorrer
uma baba gordurosa de prazer, nessa alegria que a impunidade concede aos tolos,
saíram ambos, o inefável economista e o petit guru, para a estrada para
mostrarem que o roubo que tinham acabado de produzir de comum acordo era um
manancial de bondade da parte patronal e para aqueles relapsos que pudessem ter
dúvidas, traziam no forro do casaco um prémio para atrair as almas. Habituado a
construir o seu mundo na mentira, pensava certamente que podia apregoar a
intrujice como banalidade e que todos o acreditariam. No entanto, iludiu-se o
Pedrinho e quando lhe chamaram o que sempre foi, aldrabão, remeteu-se cobardemente
ao curral de onde tinha saído, com orelhas baixas e palavra mansa. Há instantes
na vida que nem a gordura nem o tamanho tornam grandes as criaturas, os actos
que realizam mostram-nos a sua verdadeira dimensão. Este Pedrito faz parte
dessa insigne malta que enriqueceu fazendo mergulhar o país na miséria e acredita
que o mundo obsceno que defende terá uma vivência milenar, mas não passa de um
George Willis Jr. da sua actividade(2). Vai ver que se ilude, pois cada vez
mais se sente no ar essa pergunta romana de «até quando vais tu, Catilina,
abusar da nossa paciência?». Percebe-se no ambiente de euforia deste Pedrinho
que se sente como alguém que acaba de saltar de um avião sem para-quedas e
acredita que vai aterrar incólume ao som do Hino da Alegria de Beethoven. Vai
ver que se engana e quando pensar que vai começar a 9ª sinfonia, há-de
rebentar-lhe nas ventas o Dies Irae, do Requiem de Mozart.
(1)
A.P.S. – sigla de Associação dos Portugueses Safados. Safados não deve ser
entendido como sinónimo de apagados, esquecidos, ignorados, mas antes de safadeza
ou malvadez.
(2)
– Acredito que este Pedrocas não é criatura de ver filmes, prefere ver apenas
aquele que ele próprio realiza e no qual aparece como actor principal, mas se
um dia se dispuser a espreitar “Perfume de Mulher”, vai ver que facilmente
descobrirá esta personagem.
Importa
referir que o que acima se escreveu é ficção e que se coincidir com a realidade
é pura coincidência, embora se acredite que muita realidade se assemelha a
ficção e não é coincidência nenhuma.
O PARADOXO DA DEMOCRACIA
António Mesquita
antiga 'máquina de votar' (Kleroterioa) |
"(...) Com efeito, chamou a atenção, de um modo
quase tíbio, para que, em muitas situações, os parlamentos
"interferiam" de mais nas negociações europeias, condicionando
directamente as posições dos seus governos. E que, com isso, dificultavam a
obtenção de soluções de compromisso que pudessem significar verdadeiros avanços
na resolução da crise."
Paulo Rangel (no 'Público' de 14/8/12:"O despotismo de
todos")
Referindo-se às recentes declarações de Mario Monti e ao
"levantar de escudos" de alguns democratas, sobretudo dos países
nórdicos, Rangel escandaliza-se com essa reacção, a qual, no seu parecer revela
"um profundo desconhecimento do que é a democracia, dos seus mecanismos,
das suas implicações e também da sua complexidade."
A separação de poderes montesquiana asseguraria o
funcionamento da democracia através dos diferentes papéis atribuídos às
instituições e a "mecanismos de controlo e de equilíbrio recíproco."
Se é verdade que um órgão como o parlamento não pode ter
funções executivas (mesmo que não estivesse dominado pelos partidos, mas a alternativa seria o "partido único"), quanto
mais não fosse devido ao tempo de acção a que se
tem de conformar, o poder executivo não é 'democrático' nem deixa de ser.
Se existe um controlo democrático 'a posteriori' e,
designadamente, a sanção eleitoral, o poder do povo é, no melhor dos casos, o
de interromper uma política (como o faria o tempo ou uma calamidade) e nunca o
de governar directa ou indirectamente.
A dificuldade em manter a aparência das formas é
evidente na UE. De facto, nunca se viu um poder tão indiferente ao
dito controlo popular ( a não ser o medo de se perderem as eleições nos países
respectivos) e, em ocasiões como esta, tão desavergonhadamente demagógico. As
palavras de Monti reflectem uma verdade inconfessável: a de que a democracia é
um paradoxo 'funcional' que está hoje, por razões 'históricas', muito mais a salvo duma 'implosão' do que
qualquer distopia.
Por outro lado, é muito natural que os altos funcionários
da UE se dêem melhor com os banqueiros ou os 'banksters' do que com os
'europeus' em carne e osso e divididos como estão.
Nada disto, evidentemente, são argumentos contra a
democracia que usufrui do privilégio churchilliano de ser o menos mau dos
regimes.
E a grande política com que alguns ainda sonham é
um exclusivo das democracias.
SILLY SEASON
Mário Faria
"Les vacances de Monsieur Hulot" (Jacques Tati) |
Final de agosto, uma semana de praia, indo para fora cá dentro. Como a maioria dos portugueses. Sem rota certa, apanhei um apartamento na zona de Albufeira, com fácil acesso à Praia da Falésia. Bom tempo, água fresca e muita gente, maioritariamente portugueses, embora no aldeamento que me acolheu haja muitos polacos, ao que apurei.
Na praia, os veraneantes ocupam o areal conforme o espaço que lhes é concedido pelo movimento das marés. Na preia mar, o espaço disponível para “montar casa” fica consideravelmente reduzido, e é uma correria para tomar os melhores lugares. E falo em casa porque é disso que se trata para muita gente. São guarda sois acima da meia dúzia para cobrir famílias que integram várias gerações ou para aqueles que exorbitam na procura da máxima comodidade: cadeiras, poltronas, camas, mesas, caixas térmicas, boias, baldes, pás, bolas, raquetes, livros, jornais, muitos ais (aifones, aipedes, aipodes), telemóveis, smartphones, stupidphones (todos os outros) e uma dúzia de toalhas dispostas para cobrir o máximo espaço, e posicionadas para quem da tribo procura o sol ou a sombra. O território é delineado e defendido, nem que tenha de ser a murro, como aconteceu há poucos dias. Uns procuravam espaço que não havia e outros não queriam reduzir um pouco do seu, para caberem todos. Palavra puxa palavra, da conversa grosseira passou para o insulto e depois e, por esta ordem, o empurrão, a chapada, o murro e puxões de cabelo. Não há registar mortes ou feridos. A intervenção da autoridade resolveu a questão de forma salomónica que não agradou às partes. Mas, foi assim que se tiveram de se aturar até que a oferta de mais espaço cresceu, pela debandada de alguns e porque a maré seguiu o seu rumo a caminho da baixa mar.
Foi um dia animado. É gente fina que naquela praia ocupa o centro, onde o evento ocorreu. As zonas limítrofes são ocupadas pelo turista tipo pé descalço. Férias para todos, cada qual no seu labirinto, perto mas não juntos, suficientemente separados em função da classe que uns pertencem e outros não representam. Cavaco passou por lá, em passo de atleta e protegido por dois guarda costas, num fim de tarde com o areal transformado num imenso campo de futebol, com espaço para dar e vender. Não havia queixas: o ambiente era lindo e a lua, quase cheia, brindou-nos com a sua presença ao fim do dia, suave e ameno: o sol não queimava, acariciava. Depois de um dia agitado, a calma e a serenidade voltaram.
As gaivotas continuavam bem lá no alto, escondidas pelos relevos da falésia. Avisadas, permaneciam nas zonas inacessíveis ao bicho humano. Voavam muito alto, como pequenos aviões, como se temessem aproximar-se do pessoal que invadia o seu habitat e tomavam, provavelmente, como um perigo à sua existência. Nesse dia, uma delas chegou tão alto que parecia em rota de colisão com um avião que descia a caminho do aeroporto de Faro. Animadamente, continuou a presentear-nos com um bailado fascinante, que o brilho de sol exponenciou.
Era tempo de voltar ao aldeamento. Fui para a piscina. Não podia deixar de assistir ao espectáculo que um casal polaco me proporcionava, todos os dias, à mesma hora. Soube que eram muito ricos e clientes regulares daquela estância. O homem teria uns sessenta anos, um metro e sessenta de altura, anafado, feições grosseiras, mesquinhas, tronco comprido, pernas curtas, mãos e pés sapudos, cara redonda com barba de um dia, cabelo cortado à sargento, nariz pequeno, orelhas grandes, e um olho de cada cor: um esverdeado e outro cinzento pardo. Corpo minuciosamente depilado, voz à Peter Lorre que se ouvia no seu inglês, quase indecifrável, nas parcas palavras que deixava fugir. Sempre deitado, movimentava-se para ir à piscina, para dar umas braçada, breves e rápidas. A companheira era bem diferente: mais nova, alta, muito direita, magra, elegante, passo firme, cara ligeiramente comprida de feições correctas, olhos azuis cor de mar, lábios grossos, cabelo que apanhava e escondia num chapéu panamá, nariz firme, que adensava um certo ar misterioso. Ao contrário do companheiro, não parava: mexia-se e deslocava-se dentro do aldeamento como se estivesse sempre ocupada. Lia, nadava, tinha sempre obra para fazer. Uma mulher de acção. A sua vitalidade contrastava com a sedentariedade do seu parceiro. Fiquei à espera. Pontualmente, levantou-se e massajou o companheiro com creme, desde a ponte dos cabelos às unhas dos pés. Fazia-o com uma dedicação e leveza impressionantes. Não lhe escapava nada. O corpo dele recebia com evidente prazer os movimentos daquelas mãos que tratavam o corpo do marmanjo, como o artista as teclas do seu piano. Rápido, rápido, lento, lento. A face era massajada com uma doçura impressionante, ritmo lento, lento, as costas, o peito, as pernas e os braços, num ritmo rápido, rápido. Até os dedos dos pés lhe mereciam a devida atenção. Que inveja. O tratamento demorava mais de meia hora. Seria fisioterapeuta? Ao que soube era a cabeça de um grupo económico que o companheiro formou, a preços de saldo com o regresso em força da economia privada à Polónia. Aquela mulher era uma espécie rara. Ainda explorei junto da minha mulher se era capaz de me dedicar um tratamento, próximo daquele. Respondeu-me, rudemente: “Era o que faltava. Não tens mãozinhas?”
A terra, concluí depois de lhe dar muitas voltas, não passava de uma ampla coligação determinada a aborrecer ou a surpreender toda a espécie de peregrinos que nela transita: tinha escolhos que não apareciam nos mapas e nas cartas, lugares estranhos, areia escaldante, marés vivas, falésias traiçoeiras, homens vulgares e misteriosos casais. Estava povoada, além disso, por uma multidão de turistas: funcionários, empreendedores, capitães, polícias, juízes, políticos, e homens e mulheres que se expunham a todos os perigos para defenderem o seu território e ficarem de pele morena, ao arrepio de todas as recomendações. Apesar de tudo, a silly season vive momentos recessivos e a loucura já não é o que era. Para o ano há mais. Não creio que as gaivotas estejam na disposição de se aproximarem. Os impostos, esses, não nos largarão, lamentavelmente.
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