Manuel
Joaquim
"The New Deal", Painting/Mural by Conrad A. |
As notícias que nos
chegam, sobre a crise que vivemos, são cada vez mais diluídas por outras que
captam mais a nossa atenção. As grandes notícias são sobre maçonaria, serviços
secretos, clubes de futebol, jogadores e treinadores, vestidos e traições de
princesas, julgamentos que decorrem com a publicação de grandes fotografias,
algumas das quais sobre cenas com o conde.
Mas com a crise a acentuar-se cada vez mais e
a infernizar o dia a dia das pessoas, que vivem do seu trabalho ou de
rendimentos escassos ou que já estão numa situação de penúria por terem sofrido
cortes em subsídios e por causa do desemprego, os órgãos de manipulação da
opinião pública já não podem ignorar a realidade por mais base e pó-de-arroz
que utilizem. Começam a aparecer notícias sobre o crescente afastamento das
pessoas dos serviços médicos e das farmácias, do abandono e morte de velhos sem
apoios de serviços sociais e das famílias, de manifestações de insatisfação e
protesto pelas situações de desemprego, pelo aumento do preço dos transportes,
dos combustíveis, das portagens, dos bens essenciais, por causa da carestia da
vida.
Sobre a situação
económica, é um fartar de notícias sobre as compras de empresas por chineses,
brasileiros, ou angolanos, os esgotamentos e as danças das cadeiras dos banqueiros,
a entrada nos eixos do governo da Madeira, os inquéritos aos hospitais e as
dividas das câmaras municipais e são as declarações categóricas e firmes de
ministros e apaniguados de que vamos cumprir rigorosamente os “nossos”
compromissos e prazos. Segundo dizem, somos gente de bem!
Uns, que ainda há
pouco defendiam as privatizações de todos os sectores, menos estado para melhor
estado, que acusavam governos estrangeiros de serem ditatoriais ou corruptos,
andam agora caladinhos para conseguirem desses mesmos governos algumas migalhas
nas mesas dos banquetes com as riquezas nacionais. Um já chegou a banqueiro e
tem trabalhado afincadamente para emagrecer o património nacional e engordar o
património de quem serve. Outros, continuam a defender as privatizações, a
venda do património nacional, “mas não todo”, se for a empresas públicas de
outros países (China e Angola).
Se há um ou outro
jornalista (?) que pretende dar alguma notícia que ponha em causa os interesses
instalados, despedem-no, via telefone, com o argumento de que vai terminar a
sua colaboração por ter chegado ao fim o respectivo programa. O governo
anterior tratava de comprar os órgãos de manipulação da opinião pública,
através de empresas públicas e de bancos ao seu serviço, condicionando
financiamentos. O actual utiliza os mesmos princípios mas é mais eficaz e
rápido no seu domínio e domesticação. No fascismo, era o lápis azul, e a PIDE,
hoje é através do lápis azul, da tesoura e do desemprego.
Medidas para dinamizar
a economia e combater o desemprego, recuperar a dignidade de vida das pessoas,
nada. É gente que já vive acima das suas possibilidades e que gastam mais do
que ganham. São palavras dos que vivem dos impostos pagos pela maioria das
pessoas.
Quando a crise internacional
estava ainda em desenvolvimento, 2008/2010, alguns fazedores de opinião, vendo
semelhanças entre os dois acontecimentos, afloravam a crise de 1929,
(terça-feira negra, de 29 de Outubro de 1929) falavam sobre a febre
especulativa, o enriquecimento rápido e fácil e o colapso de Wall Street. No
entanto, nunca aprofundavam as suas causas, os seus efeitos, utilizavam, na sua
linguagem, a expressão New Deal, mas não
a explicavam e não falavam nas medidas que foram tomadas para combater a Grande
Depressão que os EUA viveram entre 1929 e 1936.
Havendo semelhanças,
em alguns aspectos, entre os dois acontecimentos, e até semelhanças no tipo de receitas
defendidas por “sábios” daquela época e por “sábios” de agora, - “acima de
tudo, devemos equilibrar o orçamento” - as respostas têm sido muito diferentes.
A começar pelos discursos de posse dos presidentes eleitos, Cavaco Silva, e
Franklin Roosevelt. Enquanto Cavaco subordinou o seu discurso aos compromissos
assumidos pela troika interna - PS, PSD, CDS – perante a troika externa – Alta
Finança - Roosevelt, no seu discurso de tomada de posse, em 4 de Março de 1933, defendeu que “Esta nação
clama por acção, e acção agora…. Devemos agir rapidamente.”
Em 1929, o número de desempregados
era de 1,5 milhão, em 1933, o número tinha subido oito vezes, uma pessoa em
cada quatro da força total de trabalho estava sem emprego. A construção de
habitações caiu 90%. Nove milhões de cadernetas de poupança foram para o lixo,
quando os bancos fecharam as portas. Faliram 85 mil empresas. Como pôde
acontecer essa tragédia?
"Nos três meses
seguintes à posse de Roosevelt, escreve Schlesinger,”O Congresso e o país foram
submetidos a uma avalanche de ideias e programas presidenciais diferente de
tudo o que se conhecia na história dos Estados Unidos.” Foram os famosos Cem
Dias do New Deal, nome dado ao programa de recuperação económica e reforma
social do Presidente Roosevelt. Esta designação provém da suposta semelhança
com a situação de novidade e igualdade de oportunidades propiciada por uma nova
“mão” (deal) num jogo de cartas. Foram lançados os alicerces de um novo padrão
de relacionamento entre o Governo e a economia privada, um padrão que iria
significar uma radical mudança na organização do capitalismo norte-americano.”
Foram aprovados 15 projectos-leis
importantes: A Lei Bancária de Emergência; a criação do Corpo Civil de
Conservação para absorver jovens desempregados; a Lei de Ajuda Federal de Emergência
para suplementar os exauridos recursos assistenciais dos Estados e cidades; a
Lei da Hipoteca Agrícola de Emergência, que emprestou aos agricultores quatro
vezes mais em sete meses do que todos os empréstimos federais nos quatro anos
anteriores; a Lei da Tennessee Valley Authority, criando a TVA, empreendimento
inteiramente novo no âmbito da iniciativa governamental; a Lei Bancária de
Glass-Seagall, divorciando os bancos comerciais das suas actividades de
colocação de acções e obrigações no mercado e garantindo os depósitos bancários, entretanto
revogada por Bush, o que contribuiu decisivamente para a falência de muitos
bancos na presente crise e que, de certo modo, contribuiu para ela mesma, com
os enormes valores “lixo” contabilizados; a primeira das Leis dos Valores
Mobiliários, com a finalidade de reprimir a especulação mobiliária e a imprudente
pirâmide empresarial.
Os Cem Dias somente
inauguraram o New Deal; de modo algum o completaram. Ainda estariam por aprovar
a Lei da Previdência Social, a legislação habitacional, a Lei da Recuperação
Nacional, a dissolução das companhias holding em serviços de utilidade
pública…De facto, só em 1938 é que o New Deal seria “completado” com a
aprovação da Lei dos Padrões Justos de Trabalho, estabelecendo salários mínimos
e o número máximo de horas de trabalho, e banindo o trabalho infantil no
comércio interestadual.
Todos os programas expressaram
uma mudança fundamental do papel do Governo, procurando encontrar “resultados
socialmente aceitáveis”.
Enquanto nos EUA houve
a preocupação de intervir decididamente em praticamente todos os sectores
económicos e sociais com o objectivo de superar as tremendas dificuldades e
perigos para o próprio sistema, por cá, a política que é aplicada tem como
único objectivo intervir na distribuição do rendimento, fragilizando as relações
de trabalho e diminuindo os salários, retirando rendimentos à grande massa da
população, através de aumentos de preços, de aumentos de impostos, confisco
puro e simples de remunerações, para beneficiar o grande capital financeiro. Ao
mesmo tempo as riquezas nacionais são desbaratadas.
O que foi dito,
aplica-se, obviamente, a Portugal. Mas, com algumas adaptações, é possível
generalizar porque a política de rapace
está em curso em quase todos os países europeus.
Sem dúvida que
existem semelhanças entre as duas crises, sobretudo no empobrecimento das
populações. Mas as realidades, tanto nacionais como internacionais são
qualitativamente muito diferentes. Se na Grande Depressão, 1929 – 1936, esteve em risco o próprio sistema
capitalista, a crise actual que saída vai ter?
Fontes
-
“A Formação da Sociedade Económica”, de Heilbroner, R.L. (1987), Rio de
Janeiro, Editora Guanabara (Fonte das transcrições acima)
-
Polanyi, K, (1968), The Great Transformation, Boston; Beacon Press – Trad. Ed. Afrontamento,
Porto
-
A Grande Crise de 1929 . J. K Galbraith
-
As Vinhas da Ira, de John SteinBeck
-
O Negro e Mr. Harding, de José Rodrigues Miguéis
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