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01/11/10

O CULTO DE PESSOA

António Mesquita
"O Filme do Desassossego" (2010, João Botelho)



A estreia de um filme inspirado na obra de Pessoa ( “O Filme do Desassossego” de João Botelho) é o pretexto para uma reflexão intempestiva.

Prescindo, deliberadamente, da crítica de cinema porque o que está em causa é a recepção, junto do público, das ideias de um poeta, considerado, por muitos, talvez o maior depois de Camões. O filme, apresentando essas ideias fora do seu contexto poético, ilustra aliás o seu anacronismo e até  como o grão de loucura que nos salvaria de ser o “animal saudável que procria” se pode tornar em Bernardo Soares na praia em que o grão que salva é desta vez a razão.

Parece estranha esta benevolência do público perante um génio que tanto parece desprezar os seus valores, sejam eles morais ou políticos. É pouco dizer que Pessoa é "reaccionário", se a palavra tem ainda algum sentido, niilista e associal, pois é, para além de tudo, abúlico, como o seria um doente mental que tivesse perdido todo o contacto com o mundo.

Pessoa é negativo e grande apesar disso? Nenhum poeta talvez tenha pensado tanto em verso branco e a sua inteligência e domínio da língua apanham-nos desprevenidos. Será isto mais do que boa prosa? Não interessa. O ponto é que estas ideias negativas se transformam noutra coisa que seria a “essência do poético”, independente das palavras e do que para todos nós querem dizer.

Parece, pois, existir um pacto entre o leitor “informado” (pela “cultura” ou pelo ministério desta?) e o dono do célebre baú.

Pergunto-me se o que nos arrebata na obra deste poeta não serão os seus brilhantes paradoxos do género do “poeta fingidor” ou a sua rebeldia doutrinária contra o mundo. Tal é a força das instituições que o lugar de Pessoa não pode ser já disputado nem por poeta maior do que ele. Some-se a isto a invenção dos heterónimos e temos a "prova" maior do génio: a da originalidade, ainda que as máscaras não sejam um atributo poético. 

O melhor teste, porém, é perguntarmo-nos o que perderia este poeta se a maior parte da sua obra fosse reescrita em prosa. 


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