Manuel Joaquim
Nos jornais publicados nas últimas quatro cinco semanas, designadamente nos dedicados aos assuntos da economia, apareceram diversos artigos, uns assinados, outros não assinados, emitindo a opinião de que, perante a crise económica e financeira que Portugal atravessa, o FMI deve ser chamado a intervir para pôr ordem nas contas públicas. Outros aceitam e defendem, com naturalidade, o visto prévio da UE sobre o OE, cuja competência soberana pertence à Assembleia da República.
Em programas nas TVs, dedicados aos temas de economia, os intervenientes emitem exactamente as mesmas opiniões. Num dos últimos programas da SIC, Medina Carreira e Silva Lopes, ex-ministro das Finanças e ex-governador do BP, na galhofa, contaram situações, aquando da sua experiência governativa, sobre a intervenção do FMI no tempo em que era 1º ministro Mário Soares. A intervenção do FMI fez-se por intermédio de Carlucci e eram eles próprios que sugeriam, à calada, instruções mais gravosas para os portugueses, para, assim, melhor passarem a sua própria política e não assumirem responsabilidades.
Outros fazedores de opinião, glosando outros dados, como os portugueses não terem confiança no governo ou na AR e confiarem na UE apontam os mesmos caminhos de intervenção externa.
Mas os governos são aprovados pela Assembleia da República que é eleita pelos portugueses através de votos nos partidos políticos. Se confiam nos resultados eleitorais que exprimem a sua própria escolha com interpretar não se reverem na política executada? Os partidos políticos não executam politicas a seu bel-prazer mas de acordo com os interesses das classes sociais que representam. Nos períodos eleitorais, através de grandes operações de propaganda dirigida, as pessoas vão acreditando em promessas, sejam elas de mais investimento para criar emprego, de mais apoios sociais, de combate ao neoliberalismo, de combate ao grande capital especulativo. Passadas as eleições, tudo é esquecido em nome disto ou daquilo. Ao longo de mais de trinta anos, muito ricos neste tipo de situações, as pessoas tiveram uma grande experiência, mas não tem sido suficiente para perceberem que a alteração da política passa por elas. E não tem sido suficiente porque não é fácil verificar que os graves problemas do país têm sido escamoteados ao longo dos anos através de aldrabices contabilísticas efectuadas com a conivência de instâncias nacionais e internacionais e com a ajuda financeira externa, de interesse político.
Nestes três últimos anos, a crise do sistema capitalista, desenvolveu-se muito rapidamente, evidenciando as suas enormes contradições e limites para a sua superação no quadro do próprio sistema. O incontrolável aumento do desemprego, a pobreza e miséria a crescerem nos USA e na Europa “mais rica, instruída, organizada e responsável”, resultam do abandono das actividades produtivas em benefício das actividades especulativas, das alterações verificadas no Comércio Internacional, dos gastos colossais nas actividades da guerra, da diminuição drástica no consumo .
Enquanto nos USA o governo continua a intervir activamente na económica produtiva e no aumento dos rendimentos das pessoas mais carenciadas através da distribuição de cheques, tentando responder ao explosivo desemprego e à diminuição do consumo, na UE o investimento é efectuado na banca. A intervenção de “mais Europa” que tem como exemplo a Irlanda, a Inglaterra, a Itália, a França, a Grécia, a Espanha e outros, é a imposição de mais sacrifícios para os trabalhadores e classes médias da população que vivem de rendimentos do trabalho, de pequenos negócios, de rendimentos fixos ou de pensões de reforma, cortes nos direitos e apoios sociais, ataques aos serviços públicos e broas para o grande capital. É a política de direita e as suas consequências.
Em Portugal, com PEC I e II, impostos pela EU, são os aumentos das taxas do IRS e a diminuição dos benefícios fiscais, o agravamento do IVA com todas as suas consequências, são os cortes nos rendimentos sociais, prejudicando as pessoas mais necessitadas, é a redução na comparticipação dos medicamentos e na saúde é o sector privado a dominar cada vez mais a sua exploração, (60% dos gastos com a saúde). Na educação é o fim de muitos apoios e o encerramento de mais de 3500 escolas em quatro anos.
A Justiça está entregue ao poder político e económico dominante, de acordo com o pacto de justiça negociado entre PS/PSD.
Os partidos políticos responsáveis por estas políticas e por estes resultados – PS, PSD – não tendo possibilidades de esticar muito mais as aldrabices contabilísticas (ainda existem algumas, como vender as repartições de finanças e imóveis públicos a empresas públicas para contabilizar os valores como receitas para diminuir o deficit orçamental…) e não tendo agora os capitais internacionais tão disponíveis, porque os credores exigem taxas de juro cada vez mais leoninas e garantias mais palpáveis, têm de impor mais medidas gravosas para as pessoas mas não querem assumir directamente as suas responsabilidades.
O PEC I e PEC II foram negociados e assinados pelos dois partidos. O PEC III já está a ser negociado e vai ser aceite com ou sem assinatura. A Alemanha impõe, a UE aprova e o Governo cumpre.
Aqui começa uma nova batalha para quem tem o poder económico e político. É importante o domínio das ideias e o condicionamento das vontades das pessoas. Com todos os instrumentos e meios de que dispõe e com os mercenários que tem entrincheirados nos jornais, nas rádios, nas TVs, nas universidades e nas diversas instituições, desenvolve uma grande campanha ideológica para aceitar-se como inevitáveis e até necessárias as políticas restritivas e de direita, causadoras da crise que o país atravessa. Simultaneamente assiste-se a uma tentativa dos partidos executores dessas políticas evitarem ser chamuscados. Daí o teatro à volta da aprovação do OE para 2011. Pelos berros que fazem à volta deste processo, que ainda não é publicamente conhecido, o que pretendem é esconder que o OE é o instrumento de uma política que no dia a dia levam à pratica e que não é posta em causa. É neste quadro de linguagem perturbadora que as pessoas são deliberadamente confundidas para demonstrar que os partidos não se entendem e justificar a intervenção do FMI e UE para depois dizerem que não têm responsabilidades nas medidas impostas, tal como fizeram os antigos governantes acima referidos.
É desta forma que boas pessoas, inteligentes mas simples, na sua ingenuidade política, vão aceitar como inevitáveis e naturais as determinações da UE e do FMI (e da Noruega e da China) que poderão apontar (especulação minha…) para cortes nos salários de 5 a 10%, para a retenção do subsídio de Natal e do subsídio de férias, para o aumento do IVA para 22%, para o aumento de outros impostos e taxas, para o aumento dos custos com meios auxiliares de diagnóstico (análises, RX, Ecos, etc.) para a diminuição das indemnizações por rescisões de contratos de trabalho, para a suspensão dos acordos já assinados sobre o salário mínimo, para a liberalização dos despedimentos, etc.
19 de Setembro de 2010
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