"The Ghost Writer" (2010-Roman Polanski)
Até que ponto uma paixão faz tremer a mão que escreve, influenciando a forma e, talvez, o conteúdo?
Há lugar aqui a uma ética da objectividade, ou uma forte motivação é o que permite que se encontre a justeza da forma num processo quase instintivo?
São pensamentos que me assaltam depois de ver o último filme de Roman Polanski. Poderemos ignorar as suas "condições de produção"?
"O Escritor Fantasma" ("The Ghost Writer") baseia-se no livro de Robert Harris "The Ghost". Em colaboração com o escritor, Polanski tinha como primeiro projecto uma adaptação de um outro êxito internacional de Harris, "Pompeii", mas terá mudado de ideias, aparentemente devido a uma greve de actores. O tema imperial, contudo, não é alheio à trama do novo filme. De facto, o objecto do "Ghost Writer" é, no fundo, o império americano e a diabólica influência da CIA. Argumentista e realizador têm um contencioso pessoal com a América. O primeiro, por Tony Blair, de quem foi apoiante entusiasta, ter sido um peão americano na guerra do Iraque e do Afeganistão. Harris esperava que o filme, na sua estreia, fosse objecto de uma acção legal. Pelos vistos não foi. Quanto a Polanski, sabe-se que está a contas com a justiça americana, por pedofilia, um caso que remonta já há 33 anos, e que teve de montar o filme numa prisão suíça.
A intriga do "Ghost Writer" já foi comparada a uma boneca russa, cada revelação dando lugar a uma outra, até chegarmos a Lady McBeth. Afinal o monstro "ciático" é a mulher de Adam Lang/Tony Blair (Pierce Brosnan).
É claro que as implicações políticas perdem todo o interesse quando a arte (outros dirão, a manha) do cineasta polaco-francês nos sabe empolgar como o melhor Hitchcock. O nosso prazer não depende da verosimilhança do que se conta, como se sabe. Mas não deixa de ser incómodo pensar que a ficção, neste caso, se aproxima perigosamente do falso testemunho.
Ewan McGregor o "escritor fantasma" tem a ingenuidade suficiente para ser um detective "desinteressado". As descobertas a que chega no decurso da reescrita das memórias de Lang tem por isso tanto mais impacto. A cena final do atropelamento fatal, passada fora do ecrã, tem todo o significado do poder terrível da verdade. Ele era o homem que sabia de mais.
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