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01/08/10

OS SINAIS

Alcino Silva

http://web.mac.com/sonnenberg



Embora não possa parecer, estive sempre atento aos sinais, procuro identificá-los, perceber a sua presença atempada e quando o consigo, tento compreender a razão da sua existência, que mensagem contêm, o que me trazem de notícias. Naquela noite que se aproximava, percebi-os quando descia a serra, naquele vagar de quem tem tempo. Escutei os murmúrios que desciam das árvores e voavam como relâmpagos acendendo fogos. Ergui os olhos e descobri-os a fugir em direcção ao sol. Ao alcançar a planície, aquele extenso espaço verde, voltei a senti-los nesse esvoaçar das folhas enquanto escreviam palavras nas asas do crepúsculo que se aproximava. Quando parei, não saí, deixei-me ficar aguardando e fingindo que me absorvia em leituras, enquanto pelo canto do olho soletrava as palavras que alguém escrevera nos ramos das árvores da pequena floresta próxima. Formei frases, construí parágrafos, traduzi para várias línguas, mas não descodifiquei aqueles sinais. Mantive-me alerta, mas fui caminhar pelo litoral dos campos, pelos caminhos que conduziam a lado nenhum ou transformavam-se em ruelas em torno da aldeia. Quando a noite principiou a sua descida e estendeu o seu manto sobre a terra, entrei no mosteiro e procurei o meu lugar de sempre. Entravam uns, chegavam outros, nesse ruído tão característico dos seres humanos quando se apresentam em grupo. O tempo passava nessa contagem em que nos absorvemos a observar e, penduradas na pedra das colunas, luzes como fachos, iluminavam o cenário. Uma voz, fez em silêncio todas as outras, e como por magia, sentiu-se o dedilhar das cordas do alaúde. Os sons meigos e doces, subiram, estenderam-se lentos sobre a pedraria que sustenta o conjunto, espalharam-se como a água a ganhar os chãos após um tempo de seca, começa por molhar a superfície para pouco depois penetrar no interior da terra. Assim foi entrando, no nosso pensamento, como duas mãos tenteando-nos a cabeça, como um afago, um sossego, um apaziguamento. Escutava e olhava, erguia os olhos para além do visível e foi num desses instantes que percebi os sinais. Talvez fosse a ajuda do som saído das gargantas nesse exteriorizar do Cântico dos Cânticos que viajava para além de nós, ou era ainda a dolência do instrumento, mas foi quando a percepção do que procurava apareceu em imagens traduzidas. No espaço da abobada, uma gaivota azul voava. As asas moviam-se nessa lentidão que faz planar. Sim era azul, da cor do mar e voava como se não existisse parede, como se ali não estivessem aquelas pedras há séculos delimitando o sagrado. Sim, voava sem horizonte, apenas com o infinito como marco e havia um mar e uma galera e o alaúde passou a trazer os murmúrios das águas oceânicas naquele voo de sonho. Agora toda a mensagem já era visível. Esperei-te longamente, a vida inteira. Não sabia quando chegarias nem onde te encontraria. Sabia apenas que um dia aparecerias, por isso este meu alerta constante aos sinais. Aguardava-te e naquele momento via-te chegar naquela gaivota azul que voava sem fim, saída do trinar das cordas do alaúde. Na vida, esperamos sempre a chegada de alguém e ao longo do caminho vão aparecendo pessoas, mas sabemos que haverá um dia, em que a mais bonita de todas nos acorda a magia do fantástico, haverá um dia em que a rainha das rainhas aparecerá envolta na mais bela das músicas. Tu surgiste naquela noite e no mar em que a gaivota alada soprava o vento, adivinhei a luminosidade dos olhos com que enfeitiças o tempo, esse tempo de que agora passei a fazer parte. Um sopro de ruído irrompeu com o último toque, com o último cântico, mas por mim, continuava a seguir o voo da gaivota, errante naquele azul que viajava. Atravesso de novo os campos, o verde parece cinzento e a sombra da floresta surge como imagem admirável. No sideral espaço uma lua em crescente, alva e pura, desenha fantasias, mas os meus olhos continuam perdidos na música que sobrevoou a nave que me abrigava e que trouxe quem tanto esperei na soma dos dias. Agora que chegaste, mesmo que a música termine, já bebi de toda a beleza que a vida nos proporciona.


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