Acordei sobressaltado. A causa, um sonho estranho : estava em plena época do Natal e tinha ido visitar o presépio que, com tanto amor, o Rui Rio mandou montar para "oferecer" aos portuenses, e reconheci nas figuras do menino Jesus, da Virgem Maria e de S. José, nada mais nada menos, que o menino Pedro, a D. Manuela e o Pacheco. Numa das TV´s montadas no local , Judas pedia (exigia) a revisão da Bíblia, enquanto a Sportv mostrava, em directo, Sócrates (em representação da PT) a ser batido ao sprint por Contador (em representação da Telefónica), e, pelo facto, perder a amarela e a volta França, exactamente na última etapa.
Sonhos são sonhos e agora seguia-se uma tarefa árdua : levantar-me, ultrapassar o obstáculo da mesinha de cabeceira, e a seguir transportar o corpo para a estreita faixa que fica entre a cama e o armário. Estremunhado, ainda, coloquei mal os pés, desequilibrei-me e dei uma cabeçada no armário. Muito barulho e pouca dor. Ouvi uma voz, do fundo do"túnel", a gritar : " Lá vai o armário, vê se tens mais cuidado!". Não respondi.
Tacteando, passei o armário, rodei à esquerda e vejo um estranho : uma figura horrível, que a penumbra acentuava, que me parecia ligeiramente familiar, embora não conhecesse nenhum gnomo. Inteligente, como sou, logo descobri que era a minha imagem reflectida no espelho que detestava, porque me mostrava (sempre) mais pequeno, mais gordo, mais feio, mais velho e com um aspecto estupidificado, que nada tinha a ver comigo. Ou tinha ? A minha vontade era partir o raio de espelho, mas são sete anos de azar, e a maldita crise é mais do que suficiente para me incomodar e atrapalhar.
Alcançado o quarto de banho, foi com alguma satisfação que verti águas. Aquilo que antigamente muito frequentemente andava de cabeça bem levantada, agora permanece demasiado sonolento e, quase só nestes momentos, aproveita para dar um ar de sua graça. Afinal, ainda há vida. Senti-me, momentaneamente, menos infeliz.
Regressei ao quarto a matutar nesses momentos fugazes e a magicar nos diferentes processos para os repetir. Distraído, fui contra a mesinha de cabeceira. Caiu qualquer coisa e, num instante, fiquei com os pés todos molhados. Tinha sido a caneca do chá, que felizmente não partiu. A zona próxima ficou inundada. Uma pequena parte do tapete saiu ileso e serviu-me para limpar os pés.
Voltei a deitar-me. Ouvi, mais uma vez a mesma voz, a protestar lá do fundo "túnel" : "Foi outra vez a caneca, não foi ? Hás-de dar cabo do soalho!". Não respondi. Adormeci rapidamente e, em sossego, dormi num sono só.
Acordei, como sempre, de mal com o mundo. Ouvi as pequenas passadas, que reconheci imediatamente. Empurrou a porta, olhou para mim, riu-se e fugiu a correr, gritando : "Vóvó. Vóvó, Vóvó…"
Levantei-me, desprezei o espelho e fui directo para o quarto de banho. Tomei o meu demorado banho, barbeei-me e cuidei da pele. Vesti-me e preparei-me para a primeira refeição do dia.
Mal saí do quarto, lá estava ele à minha espera. "Bubu, Bubu… colo, colo, colo", gritando a cantilena do costume. Peguei nele, como se tivesse a "coisa" mais rara do mundo nos meus braços. Demos um abraço bem apertado e fomos para a cozinha, onde partilhei o meu pequeno almoço com o meu neto. São estes momentos, que se repetem durante grande parte dos dias da semana, das formas mais variadas, que valem a pena viver.
Sinto-me muito gratificado por ter os meus netos sempre próximos. É um privilégio ser avô !
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