Hoje, neste momento (25-04-2010 02:18:08), deu-me para iniciar um escrito sobre momentos, lugares e artefactos da escrita.
Momento que leva minha memória lá para trás. Trinta e seis anos antes. Por esta hora, ainda dormia. Alvorada por volta das seis horas para iniciar a última ronda do serviço que iniciara no dia anterior. Parada num grande bulício. Viaturas de outra unidade. Graduados que não identifico. Apresento-me ao oficial de dia. Apazigua-me. Manda-me estar por perto e diz para não me preocupar com a ronda. O Dinis de Almeida vocifera. Não aparece o quarteleiro para abrir o pavilhão onde estão as munições. Manda encostar uma Berliet ao portão. Após veículo imobilizado, dá ordem ao condutor para engrenar marcha-atrás e acelerar. O portão cai com estrondo. As munições são distribuídas. Passadas umas horas sai uma coluna militar desse quartel na Figueira da Foz, para Peniche. Missão: tomar o forte de Peniche e libertar os prisioneiros.
Continuo no exercício de escrita. Outro momento (25-04-2010 02:35:10). Entre as cinco e meia e as seis horas da manhã do dia quatro de Março de dois mil e dez um toque agudo, intermitente, invade os meus ouvidos. Toque esquisito? Marretada no despertador e olhar de soslaio para o visor do despertador. Merda. Voltei a enganar-me a marcar a hora do despertar. O “gajo” não se cala. Toque de facto esquisito ou é do sono. Nova marretada. A um novo toque diz-me a mulher ensonada: Pimenta é o telefone, não é o despertador. Ligo o candeeiro. Sento-me na cama e já adivinhando a razão de tanta estridência, todo o meu corpo se silenciou para ouvir do outro lado a notícia que adivinhava. A Rosalina Arouca partiu ao reencontro do Zé Pimenta. Para esse espaço etéreo, que sempre desejamos longínquo mas momentos há que o sentimos perto.
Num outro momento (25-04-2010 02:52:52), vivencio ainda bem um dia de fortes emoções. Vinte e dois de Abril de dois mil e dez: ali, despojado, vulnerável, humilde mas ao mesmo tempo com força para enfrentar mais um momento de avaliação. Próximo das três horas da tarde. A libertação e a descompressão. E mais um sonho concretizado. Mas a minha inquietação vai continuar. Continuo a ouvir a Rosalina: Oh Manel?! Porque continuas a estudar? Nunca lhe respondi. Agora que está lá em cima a olhar para mim digo: é por tua causa mãezinha. Sempre me estimulaste a procura do Saber. De ti não esqueço os hábitos de leitura e de escrita (sei que às vezes às escondidas). Ainda não pedi à mana as tuas agendas. Quero lê-las. Alimentar-?me do que lá escreveste. E retocar de tons de rosa as agruras da vida que suportaste.
Momentos de inspiração, não. Muito mais momentos de trabalho. De exercício. Perguntaram ao Pedro (eu ouvi, com estas orelhinhas grandes que sei ter) um dia: como é o teu processo criativo? Como constróis as tuas canções? Como compões? É quando estás inspirado? Qual quê, responde. Para isso teria de andar sempre com o piano debaixo do braço, o que não dá muito jeito. Conclui: quase todos os dias estou ao piano durante três a quatro horas. E então há momentos em que “sai” algo de interessante, resultado daquele trabalho sobre o instrumento.
E os lugares para a escrita. Todos os que me fortalecem a mente, me iluminam o caminho e me ambientam os dedos.
E os artefactos. Ainda gosto de sentir uma caneta entre os dedos a percorrer a superfície branca do papel, virgem e impoluta. Esperando indefesa a manifestação da minha violência. Mas eu até acho que não sou capaz disso. Então o teclado e o écran, numa composição híbrida de humano e tecnologia, serve os meus pretensiosos ímpetos de escrita.
E assim… o último momento (25-04-2010 03:20:41).
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