Quando era miúdo não perdia um western. Era-me muito fácil identificar o herói e o vilão. Sempre com uma grande esperança que o bem e o bom (o artista) triunfassem, era com enorme alívio que assistia ao happy end que previamente "exigia", com o herói (o artista) a beijar a professora angelical (a actriz), depois do vilão ter sucumbido às mãos do primeiro. Víamos os filmes de forma muito activa : pateava-se, assobiava-se e aplaudia-se. O cinema era vivido intensamente e, na nossa ingenuidade, era o espelho da vida.
A ingenuidade não é uma fase muito duradoura. O estereótipo fatiga e pode originar alguma perversidade. O cinema mudou de paradigma e apareceram os anti-heróis, ainda assim uma espécie de heróis, mas imperfeitos. Antecipei-me ao movimento e de forma mais radical : dei por mim a sentir uma certa simpatia pelos maus da fita. Nunca ganhavam, morriam sempre e eram odiados pelas mulheres. Tinham mau aspecto, usavam barbas enormes, mascavam tabaco que cuspiam de forma rasca. Percebi que esta caracterização das personagens era demasiado simplista e dei por mim a torcer pelo vilão. Quanto aspirei por ver o John Wayne levar um enxerto de porrada. Nunca vi. O mais próximo disso, foi o quase empate técnico no memorável duelo do filme : o Homem Tranquilo.
Com o 25 de Abril acabou a censura e a Imprensa, finalmente, pode ser livre. A comunicação social goza de um estatuto muito largo no uso do direito da liberdade de expressão, na minha perspectiva intocável, que a força da corporação potencia consideravelmente, muito particularmente quando o objecto é a coisa pública ou o poder político. Guterres foi trucidado, Ferro ostracizado e Santana enxovalhado. Porém, nada de semelhante com o ataque de que tem sido alvo Sócrates. Não é uma personalidade da minha especial simpatia política ou ideológica, mas, contraditoriamente ou não, passei a tender a desculpabilizar os seus pecados em função da sanha inquisitória de que tem sido alvo. Uma parte da Comunicação Social fez dele alvo preferencial, os restantes sentem-se constrangidos e condicionados na sua defesa, e o que se assiste é a um ataque sem precedentes contra uma figura de Estado, dirigida a partir dos media. Os partidos políticos alinham nessa orgia, tentando tirar dividendos e posicionando-se como se fossem o reverso do vilão. Os jornalistas são os heróis, a oposição faz política segu(i)ndo a agenda mediática. Lamentavelmente, a esquerda não se diferencia da direita na denúncia em curso. É pena. O julgamento de Sócrates segue na praça pública e no Parlamento até à exaustão final.
"Há, entre nós, um grupo de jornalistas que criou um universo fechado regido pelas suas convicções e que julgam sobrepor-se ao mundo real, em nome da liberdade de imprensa …. A tal República dos Jornalistas paira, nefelibata, sobre as nossas cabeças. O país assiste estupefacto a este carnaval, sem o compreender muito bem, e encaixa-o nos fait divers do entretenimento inconsequente." (*)
A direita raramente me surpreende e as atitudes que toma estão conformes à sua constituição genética. Da esquerda esperava seriedade política e serenidade verbal. O que não tem acontecido, de todo. Porém, se no seu julgamento não couberem dúvidas que Sócrates é o mal maior, então impunha-se a apresentação de uma moção de censura. Sem drama ou fogueiras. Com a tranquilidade de quem quer clarificar e limpar a vida pública, tendo como base uma análise coerente e irrepreensível da actual situação política. O tacticismo é inaceitável se estão em causa, como dizem , direitos fundamentais e a sobrevivência do país. A ser assim, se nada se fizer, perderemos todos.
* Citando comentário de Artur Carvalho, no Público
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