"A estatística pode ajudar a compreender o mundo. É uma ferramenta poderosa e eficaz para pôr a economia, o bem-estar social, os desportos e os assuntos de saúde em perspectiva. Transforma os dados em informações com significado e mostra-nos uma forma equilibrada de olhar para situações que, ou têm traços aleatórios, ou desconhecidos. Mas devemos usar o senso comum quando nos servimos da estatística ou de outras ferramentas que partem da nossa experiência do mundo para transformar dados em conclusões significativas. Pensar cuidadosamente através de deduções que seguem argumentos estatísticos pode ajudar-nos a evitar os perigos da tontice estatística. Enquanto que os números não mentem, a forma como nos são apresentados permite que nos iludam um bocadinho."
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O tempo sobrava e essa quase excepcionalidade conduziu-me aos corredores da livraria por onde deambulei entre títulos, histórias, romances, vidas e lugares. A secção onde parei tinha o título, Matemáticas e não resisti ao fascínio da leitura pormenorizada dos títulos e um deles atraiu-me o olhar, O Matemático Disfarçado. Estava agora nas minhas mãos com aquele cuidado com que sempre lhes toco e o acaso levou-me até à página 87 onde deparei com a citação acima transcrita. Para a eventualidade da primeira leitura não ser perfeita ou não ter entendido a totalidade da escrita, volto a ler com mais atenção e, concluo, não me encontrar enganado. É isso mesmo que os autores quiseram afirmar.
Vivemos num tempo em que o poder e todos os seus acólitos nos jorram teses sobre teses que provam e demonstram que trabalhamos pouco, ganhamos muito, vivemos acima das nossas possibilidades, é necessário racionalizar os empregos, caso contrário a produtividade deixa de ser competitiva, devemos aumentar os ritmos de trabalho, descansamos demasiado, viajamos sem razão, divertimo-nos sem limites e, estamos a mais na sociedade, porque as estatísticas assim o demonstram. Números infalíveis, arrasadores, a transparência da verdade, estudos sobre estudos que se transformam em médias que falam por si, sem mais. E agora, deparo-me com uns indivíduos que me dizem que "a estatística pode ajudar a compreender o mundo" e não mais que isso. Não o mudam, não o transformam, não o substituem, nem sequer o explicam, apenas e só, ajudam a compreendê-lo e para que tal aconteça, ainda é necessário que saibamos interpretar os números que nos colocam à frente. E insistem, os autores, é uma ferramenta poderosa e eficaz para colocar o mundo em perspectiva, sendo necessário, saber olhar, penetrar e interpretar o que nos é dado ver.
Hesitante, questionei-me sobre quem seriam estes senhores que contrariam os governos, os ministros, os empresários, essa casta de incompetentes que só sabem direccionar as empresas e a sociedade para o fabrico continuado de lucros, grande parte das vezes, fictícios e sem riqueza a sustentá-los, conduzindo amplas camadas de seres humanos a uma vivência precária, instável e quantas vezes, mísera. Teriam algum valor académico, saberiam o que escreviam, teriam consciência da grandeza das suas afirmações quando está estatisticamente provado que tenho um salário médio elevado, que disponho de bens, em média, que não vislumbro, que não morrerei antes dos 80 anos e que tenho de trabalhar de forma mais célere, pois os números mostram que, em média, não estou a dar rendimento? Não, os indivíduos afinal são conceituados professores catedráticos de também elas conceituadas escolas desse pilar dos intelectuais conformados que são os EUA. Portanto, sabem o que afirmam, o que escrevem, as conclusões que extraem dos seus estudos das suas investigações e avisam-nos para "os perigos da tontice estatística" e deixam-nos uma mensagem que não devemos esquecer, de que nos andam a iludir com a utilização dos números. Não nos iludam apenas, mas antes, vivemos numa sociedade que assenta os seus valores sobre monumentais intrujices para justificarem a vida obscena dos senhores que se apoderam do mundo e das nossas vidas.
O caminhante do mundo que é Gonçalo Cadilhe, dizia-nos numa das suas crónicas que os arranha-céus são as catedrais modernas e que embora os primeiros tenham chegado mais alto, as segundas viam mais longe. É este o mundo do nosso tempo que cresce muito, mas não consegue espreitar para além de si próprio.
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"O Matemático Disfarçado", Burger, Edward B. e Starbird, Michael, Academia do Livro
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