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01/11/09

VÉNUS DE MILO

Mário Martins
A Vénus de Milo (Louvre)



Há dias, ao ver na televisão um documentário inglês sobre o ideal da beleza feminina expresso pela arte da escultura, experimentei de novo a sensação de não estarmos, de facto, a ver o passado tal e qual era quando admiramos a ruína de um templo ou o que resta de uma estátua de civilizações antigas.

Tive já essa sensação quando, há 16 anos, desembarquei no continente grego, armado com as leituras de alguns clássicos gregos e o meu imaginário. Maravilhei-​me com Delfos: meia-​dúzia de colunas delicadas ao sol abrasador, a bancada de um anfiteatro e um museu, entre montes não menos delicados, sobre o vale sinuoso a perder de vista. Mas há cerca de 2500 anos Delfos era, de facto, uma cidade de pessoas e casas com telhado e um grande e afamado templo, o oráculo, onde as sacerdotisas faziam as previsões mais convenientes. O que nós hoje admiramos é outra Delfos, a beleza física de algumas colunas nuas no meio de nada, uma Delfos ideal, de gregos antigos merecidamente ideais, pelo seu legado artístico, científico e filosófico, uma Delfos em que a passagem de dois milénios e cinco séculos depurou o seu carácter sagrado.

O autor do documentário mostrava-​nos, no museu do Louvre, em Paris, a mais famosa estátua da deusa grega do amor e da beleza Afrodite (ou Vénus, sua sucessora romana), a chamada Vénus de Milo, dado que foi acidentalmente descoberta em 1820 por um agricultor da ilha grega de Melos (ou Milos), e que remonta ao século II a.C.. O que nós vemos e admiramos hoje é uma estátua de dois metros de altura em mármore branco quase sem braços, mas, sem dúvida, de uma excepcional beleza e harmonia de formas. No entanto, a estátua original tinha, naturalmente, braços, e segundo o renomado historiador de arte Ernst Gombrich "pertenceu provavelmente a um conjunto de Vénus e Cupido e foi idealizada para ser vista de lado (Vénus estendia os braços para Cupido)"; além disso, como foi salientado no documentário, os gregos costumavam pintar as estátuas.

Demasiadas nuvens se interpõem entre a realidade viva do passado e a visão futura, para permitirem a sua apreensão objectiva pelos sentidos de hoje: a ruína das coisas, a ausência do contexto, os diferentes caldos civilizacionais e culturais, o imaginário individual. Uma ruína ou uma estátua que resistiram à acumulação dos séculos adquirem uma realidade própria que os nossos sentidos só idealmente podem ligar às suas origens. Apenas o estudo especializado nos pode dar uma aproximação, não mais do que isso, do que foi, possibilitando a sua reconstituição virtual, mau-grado esta chocar com este modo quase sagrado como nos ligamos aos nossos antepassados.

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